Continuação do artigo Por que trabalhamos tanto?

Por Ryan Avent
Tradução e adaptação de Ronaldo Campos

Parte II

Karl Marx tinha uma visão diferente: quem tiver um bom trabalho, viverá bem. O envolvimento em um trabalho produtivo e com propósito era o meio pelo qual as pessoas poderiam realizar todo o seu potencial. Marx não recebe muito crédito no mundo moderno, mas talvez ele não estivesse tão errado sobre nossa relação com o trabalho.

Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, Keynes parecia levar a melhor em seu argumento. À medida que a produtividade aumentava nos países mais ricos, os salários por hora dos trabalhadores aumentavam e as horas trabalhadas diminuíam — até o ano de 1970. Mas então algo começou a dar errado. Os trabalhadores menos qualificados se viram forçados a aceitar aumentos salariais cada vez menores para permanecerem no emprego. O poder de negociação do típico trabalhador braçal desgastou-se à medida que a tecnologia e a globalização reduziram os custos operacionais. Ao mesmo tempo, a presença estatal na economia começou a recuar, rechaçada por governos interessados em impulsionar o crescimento através da redução de impostos e da eliminação das restrições ao mercado de trabalho. Assim, os ganhos de rendimento dos trabalhadores, que poderiam ter mantido a sociedade no caminho do sonho keynesiano, fluíram para os donos do capital. Querendo ou não, os que estavam nos níveis mais baixos da hierarquia trabalhavam cada vez menos horas. Enquanto isso, os que estavam no topo trabalhavam cada vez mais.

Não era óbvio que as coisas tomariam esse rumo. O que poderia ter levado os casais a dividirem as tarefas domésticas e o tempo que passariam com os filhos, não aconteceu. Em vez disso, ambos estão agora mais propensos a trabalhar 60 horas por semana e a pagar pessoas para cuidar da casa e dos filhos.

Por quê? Uma possibilidade é que todos nós ficamos reféns da tecnologia e da globalização. As oportunidades de ganhos maiores estão cada vez mais restritas ao setor financeiro e aos escritórios de advocacia. Os diretores e sócios dessas empresas ganham salários colossais e o caminho para essas posições cobiçadas passa por anos de trabalho ininterrupto. O número de empresas com alcance global e as start-ups tecnológicas, que dominam um nicho de mercado, é limitado. Garantir um lugar no topo de rendimentos em uma empresa desse tipo, e permanecer nela, é uma questão de luta e competição constante. E, ao mesmo tempo, as empresas de tecnologia criaram ferramentas, por exemplo, os e-mails e os smartphones, que nos “seguem” para todos os lados.

A necessidade de ganhos elevados não para de aumentar, pois à medida que as pessoas com as melhores remunerações se aglomeram, também aumenta o preço dos bens pelos quais desejam. Nas grandes cidades, onde vive a maioria dessas pessoas, subir na hierarquia imobiliária exige o tipo de soma que só pode ser acumulada através de longas horas de trabalho numa das empresas nichos. Além do mais, há o consumo conspícuo: a necessidade de ter um carro luxuoso, uma casa de acordo com as revistas de decoração, colocar as crianças em boas escolas (ou seja, privadas), a necessidade de manter um exército de trabalhadores domésticos e assim por diante. — Você quer dizer que você não tem um personal shopper?

Os ganhos e as horas trabalhadas se acumulam enquanto almejamos uma vida boa que sempre fica fora de alcance. Em momentos de exaustão imaginamos vidas mais simples em cidades menores, com mais horas livres para a família, para os hobbies e para nós mesmos. Talvez vivamos apenas numa corrida armamentista de pesadelo: se todos nos desarmássemos, coletivamente, poderíamos viver uma vida mais calma, mais feliz e mais igualitária. Mas não é bem assim! O problema é que nem todos os profissionais sobrecarregados são infelizes. Pelo contrário, muitos são felizes com o estilo de vida que têm.

Uma das razões pelas quais é tão difícil abandonar o círculo vicioso da tecnologia e da globalização é que a vida fora dela não é mais o que era antes. Quando eu era criança, nosso bairro era rico em interação social. Meu pai jogou no time de softball da igreja até que suas costas ficaram muito ruins. Minha mãe ajudou com campanhas beneficentes de alimentos e brinquedos. Ambos davam aulas e acompanhavam as viagens de corais juvenis. Eles socializavam com vizinhos que também faziam essas coisas.

Esses elementos da vida ainda persistem, é claro, mas diminuíram muito, como observou Robert Putnam, um cientista social, em 1995. Ele descreveu o enfraquecimento das instituições cívicas, que atribuiu a muitas das forças que coincidiram e contribuíram para a mudança da nossa relação com o trabalho: a entrada das mulheres no mercado de trabalho; a ascensão dos guetos profissionais; jornada de trabalho mais longa.

Começo a entender a natureza do problema que estou tendo para comunicar aos meus pais exatamente porque o que faço me agrada. Eles perguntam sobre o trabalho e eu respondo sobre a minha identidade, comunidade e propósito — as coisas que me dão significado e motivação. Em outras palavras, respondo sobre o estilo de vida que escolhi para mim e para minha família, não falo sobre o meu trabalho.


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Foto mídia de Jesse Schoff/Unsplash
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