Nossos empregos são prisões das quais não queremos escapar

Por Ryan Avent
Tradução e adaptação de Ronaldo Campos

Parte I

Quando jovem, eu achava que não havia nada pior do que trabalhar. Hoje acho difícil ter esse sentimento, mas o vejo na minha filha de cinco anos. “Quero um pouco de água, papai?” “Você pode tomar sozinho, já é uma menina crescida.” “Por que todos me tratam como empregado?”

Quando criança, entrava no modo desespero quando pediam para eu arrumar o meu quarto. Não entendia como o meu pai podia trabalhar tanto! Observava a maneira estoica que ele saia de casa para ir trabalhar. Coitado! Quantas horas perdidas ao invés de ficar no sofá assistindo televisão.

Meu pai tinha sua própria empresa de contabilidade em Raleigh, Carolina do Norte. Ele prestava consultoria em administração de empresas e em tributos. À medida que as pessoas abriam os seus negócios, ou expandiam e, em alguns casos, fechavam suas firmas, lá estava o meu pai ajudando e envolvido nesses processos. Ele demorou para se aposentar e só agora percebo o quanto ele gostava de seu trabalho. Lembro-me dos entusiasmados com que seus clientes me contavam sobre a ajuda que ele lhes dava — é como se ele tivesse realizado uma cirurgia que salvou suas vidas. Lembro-me também de sua voz que mudava quando recebia uma ligação de um cliente, quando estava em casa. De repente, ele falava em tom de comando e com uma facilidade que nunca ouvia em outras situações. Era como se ele fosse um pinguim cativo e quando solto em águas abertas, nadava com grande facilidade em seu elemento natural.

Aos 37 anos, vejo a rotina do meu pai com outros olhos. Moro numa casa confortável em Wandsworth, uma região elegante e extremamente cara do sudoeste de Londres e que fica relativamente perto da sede da The Economist, onde trabalho. Acordo às 5h30 e trabalho por uma ou duas horas em casa. Assim que as crianças acordam, tomo o café da manhã com elas e depois vou para o trabalho e elas vão para a escola. Geralmente consigo sair do escritório a tempo de jantar com a família e colocar as crianças para dormir. Depois, trabalho mais um pouco em casa. Trabalho duro, escrevo sobre economia. Apesar de trabalhar muito, só agora entendo a frase de que “trabalhar é divertido”.

Nem sempre foi assim. Quando meu pai era jovem, ele e o pai dele trabalhavam bastante na fazenda da família. É um tipo de trabalho que muitas pessoas ainda têm hoje em dia. Certa vez, visitei a fábrica têxtil onde minha avó trabalhou durante algum tempo. O barulho do lugar era ensurdecedor e chegava a ser impossível de ter qualquer tipo de pensamento naquele ambiente. Mas o meu trabalho é muito diferente de tudo isso. Sou bem remunerado, assim como outros poucos profissionais, e o meu desafio diário é resolver problemas complexos e ao mesmo tempo extremamente interessantes. Posso passar horas do meu dia pensando nesses problemas de economia.

O que é menos claro para mim, e para muitos dos meus colegas, é se deveríamos trabalhar tanto. Uma das características da vida moderna é que uma classe relativamente pequena de pessoas trabalha muitas horas e ganha um bom dinheiro pelos seus esforços. Quase um terço dos homens americanos com formação universitária, por exemplo, trabalha mais de 50 horas por semana. Alguns profissionais chegam a trabalhar o dobro disso e os advogados tops chegam facilmente a trabalhar 70 horas por semana em quase todas as semanas do ano.

Esse tipo de trabalho, nos aprisiona. Ele nos segue até em casa, continua nos smartphones, aparece durante uma saída à noite ou no meio da rotina de dormir de nossos filhos. Faz uso permanente de um valioso espaço cognitivo e escolhe horas estranhas para percorrer nossos pensamentos, fazendo com que as outras coisas fiquem de lado. Coloniza as nossas relações pessoais e utiliza-as para os seus próprios fins. Torna-se a nossa vida se não tomarmos cuidado. Torna-se nós.

Quando John Maynard Keynes refletiu, em 1930, que em um século a sociedade poderia ser tão rica que as horas trabalhadas por cada pessoa seriam reduzidas para dez ou 15 por semana, ele não estava alucinando, apenas extrapolando os dados. A semana de trabalho estava diminuindo rapidamente. A média de horas trabalhadas caiu de 60 na virada do século para 40 na década de 1950. A combinação de tempo extra e dinheiro deu origem a uma era de lazer em massa, de férias em família e de refeições em frente à televisão. Havia uma visão de que a vida era muito boa nessa época. Foi um período em que o trabalho era em grande parte só um meio para atingir um fim. As famílias conseguiam poupar dinheiro para comprar uma casa, um carro, para tirar férias e para financiar as reformas, se necessárias. Nessa época os banqueiros viviam segundo a regra 3-6-3: pegar emprestado a 3%, emprestar a 6% e ir para o campo de golfe às 3 p.m.

A visão de um futuro repleto de lazer ocorreu no contexto da guerra fria e era um sonho capitalista. Um sonho em que a aplicação da tecnologia na produção aumentaria constantemente a tal ponto que as necessidades materiais seriam satisfeitas com apenas algumas horas de trabalho. Era uma história do triunfo da inovação e dos mercados. Só que o mundo do pós-trabalho permanece um tanto nebuloso. Keynes, em seu ensaio sobre o futuro, calculou que quando chegasse o fim do trabalho:

Pela primeira vez desde a sua criação o homem será confrontado com o seu problema real e permanente — como usar sua liberdade sem as preocupações econômicas urgentes, como ocupar o lazer, que a ciência e os juros compostos lhe terão conquistado, como viver sabiamente, agradavelmente e bem.

Continua na próxima semana…


Texto originalmente publicado na The Economist (1843 Magazine)

Foto mídia John Maynard Keynes em 1933/Wikipédia
Foto capa de Reba Spike/Unsplash
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