Por Camila Barreto
Terminar o ensino médio, ingressar em uma universidade e conseguir um bom emprego é um ideal que parece estar muito distante da realidade dos jovens brasileiros. A crise econômica que foi agravada pela crise sanitária decorrente da pandemia de coronavírus piorou ainda mais o acesso à educação de qualidade e ao mercado de trabalho no Brasil, o que provocou um disparo no número de jovens que não estudam nem trabalham, os chamados “nem-nem”. Segundo dados da consultoria IDados, o número total de nem-nem chegou a 12 milhões em 2021, isto é, 30% dos jovens brasileiros de 15 a 29 anos. O próprio termo “nem-nem” mascara — ou pelo menos minimiza — o problema grave e estrutural que está por trás da situação desses jovens. Afinal, será que eles não trabalham nem estudam simplesmente porque não querem ou não precisam? Pelo contrário, o problema é muito mais profundo do que se imagina.
Sob o sistema capitalista, a juventude é a força de trabalho que pressiona o mercado em busca de inserção. E uma das principais características do mercado é um excedente estrutural da força de trabalho, ou seja, tem mais gente procurando emprego do que emprego sendo ofertado às pessoas. Isso, na visão da professora Mariléia Maria da Silva, da Universidade do Estado de Santa Catarina, faz com que exista essa parcela de jovens que podem trabalhar, mas não conseguem ser inseridos no mercado de trabalho, e, portanto, ficam à espera como mão de obra que pode ser utilizada ou descartada a qualquer momento, processo chamado de superfluidade da força de trabalho.
Além desse componente estruturalmente sistêmico, a perspectiva de inserção e ascensão no mercado de trabalho é extremamente desanimadora para os jovens brasileiros. A crise econômica que assola o Brasil desde 2014, somada à tendência neoliberal de flexibilização das leis de trabalho, culminou no aumento da taxa de informalidade no país. O cenário que a juventude encontra é o da precarização em nome da empregabilidade, e que, na prática, não gera emprego.
Então, diante da necessidade de complementar a renda familiar, que também ficou menor por conta da crise, a única opção que resta para esses jovens é migrar para a informalidade, aceitando subempregos que exigem muitas horas de trabalho precário e sem nenhuma garantia de segurança em troca de salários baixíssimos. Segundo o economista e presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude, Euzébio Jorge Silveira de Souza, quando se flexibiliza o mercado acreditando-se que isso vai contribuir para o aumento do mercado de emprego, na verdade está se tentando responsabilizar o trabalhador pelo seu desemprego. É como responsabilizar os jovens pela sua falta de qualificação.
Outro fator que colabora para esse aumento dos “nem-nem” é que o acesso à educação superior no Brasil é historicamente limitado a membros das classes mais favorecidas ou abastadas. Num país onde acredita-se que, segundo palavras do agora ex-ministro da Educação, “a universidade deveria, na verdade, ser para poucos”, as oportunidades são escassas principalmente para a camada mais pobre da população, para jovens que querem e precisam estudar. E mesmo para aqueles que conseguem concluir a graduação, não há garantia de que serão absorvidos pelo mercado de trabalho, pois, de acordo com um estudo do Núcleo Brasileiro de Estágios, cerca de 50% dos formados das universidades afirmaram não estar trabalhando após a faculdade e, dentro da parcela empregada dos participantes do levantamento, somente 20% atuavam na sua área de formação.
Os nem-nem representam, assim, a parcela mais pobre e negligenciada da sociedade. Essa falta de oportunidade, de investimento e de apoio a esses jovens prejudica o seu desenvolvimento como cidadãos participantes da sociedade, e ainda lhes atribui a culpa pela sua condição. Isso tudo gera um ciclo vicioso: o jovem não consegue ingressar no ensino superior por falta de oportunidade e porque precisa trabalhar para ajudar a integrar a renda familiar, mas não consegue um emprego formal de qualidade porque muitas vezes não tem experiência nem formação acadêmica. Toda a potência criativa e construtiva da juventude é substituída pela desesperança.
Para prever o futuro do mercado de trabalho e da sociedade, basta olhar com atenção para o presente, e as notícias não são muito animadoras. Quando o jovem perde, todos nós também perdemos, pois não se trata de um problema que atinge somente determinada geração. Esses impasses podem deixar marcas permanentes que serão percebidas a curto e longo prazo na economia, mas principalmente na sociedade. Afinal, os nem-nem são o retrato de um futuro incerto por conta de um presente ignorado.
Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.