Por Camila Barreto
A década de 1950 foi marcada por uma importante mudança de perspectiva acerca da aquisição da linguagem. A partir dos trabalhos do linguista e professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Noam Chomsky, é inaugurada a Teoria Gerativa, uma corrente da linguística que inovou ao propor a aquisição da linguagem sob o ponto de vista racionalista, superando as correntes propostas até então.
Tanto o estruturalismo como o behaviorismo, enquanto correntes linguísticas que antecedem o gerativismo, analisam a língua como um fator exclusivamente externo ao ser humano, isto é, algo que é adquirido por meio do convívio social e da cultura. Para o behaviorismo, especificamente, o processo de aquisição da linguagem se dá pela imitação passiva, o que implica dizer que a criança apreende a língua ao imitar aquilo que está sendo falado ao seu redor.
O gerativismo, por sua vez, muda radicalmente essa visão ao propor a linguagem como um dispositivo biológico inerente ao ser humano, uma habilidade mental natural; em outras palavras, uma faculdade da linguagem. E é justamente essa habilidade, enquanto predisposição genética exclusiva do ser humano, que nos difere dos outros animais. Tal perspectiva não descarta totalmente o impacto externo na aquisição, no entanto, compreende que não é somente por conta dele que essa habilidade é passível de desenvolvimento.
Esse mecanismo é o que Chomsky caracteriza como Gramática Universal, que nada mais é que uma gramática internalizada, um conhecimento inato que temos para adquirir uma língua natural. Assim, uma criança em processo de aquisição de língua desenvolve sua capacidade linguística de forma espontânea e criativa, sem que para isso seja necessário empregar qualquer esforço, posto que tal habilidade lhe é interna.
Segundo o modelo chomskyano, pode-se dizer que esse período crítico de aquisição da linguagem, que vai até a puberdade, é o melhor momento para se aprender qualquer língua, já que a criança está com todos os seus parâmetros abertos. Isso quer dizer que, dada a sua Gramática Universal, a criança vai conferir no mundo externo quais parâmetros ela precisa aplicar para se desenvolver na sua língua materna, ou até mesmo em mais de uma língua simultaneamente.
É por essa razão que dizemos que é mais fácil para uma criança adquirir outra língua além do seu idioma materno, porque o seu aparato mental responsável pela linguagem ainda está em pleno vigor. Quando passamos desse período crítico, os nossos parâmetros se fecham, e é por isso que fica mais difícil, embora não impossível, nos desenvolvermos plenamente em outra língua, porque de fato estamos aprendendo e não mais adquirindo espontaneamente.
Para entender melhor, tomemos o exemplo de uma criança cuja língua materna é o coreano. Na língua coreana, não existe a execução do fonema /f/, mas um bebê coreano, como postula o gerativismo, tem tudo o que é necessário para exercer esse fonema. Se esse bebê for exposto à língua portuguesa, por exemplo, ele conseguirá pronunciar palavras com som de /f/ sem dificuldade alguma. Mas caso ele não seja exposto a nenhuma língua cujo fonema /f/ é executado, ele simplesmente fechará esse parâmetro, uma vez que não precisa exercê-lo em sua língua materna.
Além disso, a Teoria Gerativa pontua como essa fase é marcada por uma constante criatividade e experimentação com a língua. Diferentemente do que prega o behaviorismo, para a corrente gerativa a linguagem está longe de ser um processo essencialmente mimético, pois a criança tem capacidade de se desenvolver linguisticamente muito além daquele estímulo externo ao qual está exposta.
Quem já acompanhou uma criança nessa fase sabe que o processo envolve surpresas linguísticas curiosas. Um exemplo que já pude presenciar em sala de aula é quando a criança usa uma palavra gramaticalmente “errada”, mas que faz total sentido em sua construção. O verbo “ponhar”, por exemplo, surge com frequência e de modo espontâneo, isto é, nenhum adulto ao redor o utiliza, mas a sua construção em si faz muito sentido no processo de experimentação linguístico infantil se analisarmos como utilizamos o “pôr” como sinônimo de “colocar”.
Essa percepção de linguagem como fenômeno interno, por fim, contribui para que o gerativismo se estabeleça como um modelo teórico capaz de estudar a língua enquanto característica mental. Além disso, as análises propostas por Chomsky são muito significativas até os dias hoje para que seja possível repensar os modelos de ensino e aprendizado de língua materna, e até mesmo de aquisição de língua estrangeira, de uma forma mais produtiva e menos engessada, explorando ao máximo o potencial desta Gramática Transformacional.
Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.