Por Isabel Ramos

Esta é uma história sobre animais que mentem, mais especificamente, sobre o homo sapiens, espécie que se destacou das demais pela autoconsciência, racionalidade e sapiência. Assim, o arranjo de palavras que nas próximas linhas se anuncia deveria, ao menos em primazia, prenunciar algum tipo de evolução, mas, ao que tudo vai indicar, e aqui atrevo-me a adiantar, pode ser que tenhamos a revelação de um cenário contrário, qual seja, uma involução. Será? Vejamos…

Que dia é hoje? Hoje é hoje, o melhor dia! #mitomania!? Hoje é 1º de abril e, pasmem, na contemporaneidade, é uma data que foi batizada com o ignóbil nome de Dia da Mentira. Isso mesmo, termo extraído do latim mentiri, expressando uma raiz do indo-europeu (men) que destaca a mente e que sugere a construção de uma falsa realidade a partir de saberes firmes.

Ora, ora, se esse folclore teve início nos idos do século XVI em solo francês por decorrência de uma sucessão de enganos com a substituição do calendário juliano pelo gregoriano, isso já não tem muita relevância. O ponto é que as pesquisas — das mais formais às menos estruturadas —, pela perspectiva dos critérios científicos, têm demonstrado que mentimos. Bingo! Posto isso, para estarrecimento de alguns, conforto e alegria de outros, tem até designação, qual seja, mentira social, a qual já nasce com um cunho abrandado. Eis que dizem os mais convictos de sua necessidade que ela é quase uma bobagem.

E então, sobre o que mesmo esta narrativa pretende versar? Sobre uma espécie dita sapiente e que ao longo do processo evolutivo teve seu “computador central” elevado a outros patamares de elaboração. Eis que ganhou uma nova estrutura, denominada neocórtex, área responsável por tarefas mais sofisticadas, a exemplo da percepção sensorial, comandos motores, linguagem e consciência. E o que isso nos proclama? Coloca no centro das reflexões, ao menos dos que estão abertos a questionar e, por consequência, depurar e apreender, que tendo por base o fato de que o cérebro é programado para dar como padrão a resposta mais rápida, e que esta, via de regra, apresenta o que é verdadeiro, com o advento da sofisticação cerebral, o homem passou a ser capaz de descartar os fatos originais e lançar mão da composição de versões enganosas.

Mas a pergunta que reverbera é: por que criar distorções do enredo? Com quais propósitos? Se a programação cerebral tem em sua configuração original a formatação rápida da verdade, já podemos inferir que mentira alguma é inofensiva ou que comunga de alguma forma com o acaso, afinal, requer um refinamento de atividade que foge à instantaneidade.

Conclusão: mentir requer premeditação!

Que a ciência não nos limite o pensar, mas que sirva como elemento comparativo com outras fontes de saber. Desse modo, é importante realizar um parêntese referencialmente à motivação do ato de eivar de vício a verdade, ou seja, dizem os estudos ancorados na linha de pesquisa do americano Paul Ekman que existem justificativas sociais e que estas consubstanciam-se em: 1) evitar o castigo; 2) ganhar vantagem; 3) proteger alguém; 4) proteger-se de ameaça; 5) ser admirado; 6) livrar-se de chatice; 7) evitar constrangimento; 8) manter a privacidade; 9) exercer poder sobre os outros.

E agora, o que fazer com essa sopa de letrinhas que teve por condão trazer um bordão que, em linhas gerais, expusesse que a comunicação entre as pessoas nem sempre tem por raiz princípios fundantes de transparência, aquela que prescinde de cor para que o livre trânsito verborrágico aconteça e, com sorte, floresça?

O que cada um irá fazer é totalmente individual, afinal, fazendo alusão à gastronomia, a ideia é deixar aqui a experiência para além do aroma que desperta a fome, mas também e principalmente, a jornada do degustar, a vontade de apreciar. Assim, quem sabe ativando o paladar, a multiplicidade de sabores revele que não há problema em discordar, em relatar o que sente, ou o que a mente já demente se ressente, e que o tempero da vida de quem não mente é justamente ser decente, moral e eticamente, tornando a corrente dessa gente algo que valha ser contado aos seus descendentes.

O perigo da criação enganosa, da mentira ardilosa ou “despretensiosa” é a fuga da essência da vida, é o perder-se na estrada inventada sem saber se haverá combustível ao longo da estrada. Talvez seja ainda algo mais profundo que isso, e estejamos lidando com a negação de certos ofícios. Por fim, quem sabe nada disso, e o que se mostre seja mesmo o vício que se reveste da falsa regalia que já se anuncia como a nova patologia — mitomania.


Nota: A mitomania, também conhecida como mentira patológica e pseudologia fantástica, é a tendência duradoura e incontrolável para a mentira.

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