Por Renata De Luca

Em uma recente palestra sobre qualidade de vida, a médica Márcia Abel, professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, citou um fato narrado no livro Em busca de sentido, de Viktor Frankl, que sobreviveu à prisão por 13 longos anos em quatro campos de concentração nazistas. 

Viktor, psiquiatra austríaco, observava a capacidade de resiliência dos prisioneiros e lia pequenas escolhas, possíveis em um ambiente opressor, como significativas de um propósito de vida. A conclusão era que pessoas que tinham um propósito ao qual se apegar suportavam melhor o sofrimento e lutavam pela sobrevivência com o pouco de liberdade de escolha que possuíam ou, como escreveu Viktor, “a última liberdade humana — o que sobra é a capacidade de escolher a atitude pessoal que se assume diante de determinado conjunto de circunstâncias”.

O fato, recontado pela dra. Márcia, era a atitude dos prisioneiros que ganhavam um cigarro como recompensa pelo esforço nos trabalhos forçados. Trabalhavam melhor, ganhavam um cigarro. Alguns o fumavam e outros guardavam para trocar mais tarde por um bem mais precioso: comida. Viktor observou que esses últimos eram mais resilientes, tinham mais vontade de sair dali, ou seja, tinham propósito. Já a taxa de suicídio ou simplesmente desistência em seguir lutando era maior entre os primeiros, os que fumavam o cigarro.

Lendo o livro, ele também cita outro detalhe: a rala sopa servida diariamente vinha, às vezes, acompanhada de um pedaço de pão. Alguns o devoravam e outros o comiam aos poucos, em pequenas migalhas durante o dia.

Pequenas escolhas significavam esperança e esperança significava propósito. Não à toa, Viktor, com sua base na filosofia existencialista, cita Nietzsche: “Quem tem por que viver pode suportar qualquer como”.

Mas por que associar qualidade de vida com propósito? A dra. Márcia nos lembra da definição de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde: “Percepção do indivíduo sobre sua posição na vida, no contexto da cultura, sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (WHOQOL, 1994).

Confesso minha alegre surpresa ao ler esta definição tão ampla para algo que até alguns anos atrás era visto como não ter doenças ou ter saúde física! Inocentes, mal sabíamos que a ordem era inversa: temos que ter qualidade de vida para ter uma boa saúde.

Ao ler esta definição, me lembrei de pessoas que têm saúde, dinheiro e tudo o mais, mas não têm propósito. Nada fica bom, não desfrutam a vida, reclamam, olham para o passado. O contrário também é verdadeiro: tem gente que “tira leite de pedra”. Em um cenário inóspito, vivendo privações, olham para a frente e tiram forças não sabemos de onde.

A diferença está no propósito, no que nos faz levantar da cama pela manhã. Não precisa ser algo grande. Pode ser um trabalho para entregar, um passeio no fim de semana, o olhar de um filho, uma reforma na casa… Independentemente do tamanho, o que vale é olhar para a frente e se sentir protagonista em algo que está para acontecer.

No trabalho, empresas esclarecem seus propósitos para suas equipes e, com fé, esperam comprometimento. O propósito condensa a visão, a missão e os valores, retratando a cultura daquela organização. Em geral, fica e entrega melhor quem se identifica com a cultura que impera naquele local. Nunca é demais ressaltar que precisa ser verdadeira e não apenas no discurso. É como educar uma criança: vale mais fazer o que se dita do que ditar. A cultura é construída pela história e por pessoas que fizeram e fazem parte daquela organização.

Quando conseguem comunicar o propósito e as pessoas se veem como importantes na construção daquilo, vão em frente e entregam mais do que o necessário, além do esperado. Outro dia, fui à homenagem a um grande executivo que estava se aposentando, e ele disse que seu segredo do sucesso foi sempre entregar mais do que era esperado em tudo que pôs a mão. Simples assim.


Renata De Luca

E-mail: [email protected]

Diretora de RH da Security Segurança e Serviços, psicóloga (PUC/SP), psicanalista (IP/USP), mestre em Educação (FE/USP) e MBA em Gestão de Pessoas (FGV).

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