Por Ronaldo Campos
Como será o mercado de trabalho daqui a 25 anos? Apesar de ser uma pergunta difícil de responder, é possível inferir alguns pontos. Um deles é a certeza de que todas as profissões terão suas atividades compartilhadas com a Inteligência Artificial (IA).
Trago novamente este assunto — recentemente escrevi um artigo sobre a IA e o domínio da linguagem (https://revistainspirec.com.br/ia-e-o-dominio-da-linguagem/) — não por ser um expert em IA, mas por estar impressionado com as profundas transformações em curso e que atingirão a todos nós. Ora vejo a IA com bons olhos, ora me desespero. No entanto, resolvi compartilhar algumas reflexões com a esperança de me salvar da histeria de Luddite, quando muitos operários, durante a Revolução Industrial, resolveram destruir o maior número possível de máquinas, imaginando que assim salvariam seus empregos.
Para compreender os efeitos da IA é importante diferenciá-la da mecanização e da automação. A mecanização substitui, em parte, o trabalho humano, mas requer um comando. Por exemplo, uma máquina de costura precisa da costureira para coser o tecido; a automação é uma “mecanização” sem a intervenção humana, ou seja, a máquina executará ininterruptamente as informações que foram previamente programadas em substituição ao comando humano. Por exemplo, o piloto automático de um avião.
No entanto, a IA é um sistema dotado de processos intelectuais com capacidade de raciocinar, atribuir significados, generalizar dados e aprender com as experiências passadas. Darei um exemplo do potencial astronômico da IA. Em 1997, o Deep Blue, um programa desenvolvido pela IBM para jogar xadrez, derrotou o até então “inderrotável” campeão mundial Kasparov. Para quem não sabe, Garry Kasparov não é uma máquina, e sim um ser humano que nasceu na antiga União Soviética e se tornou, em 1985, o mais jovem campeão mundial de xadrez.
O mais espantoso não é a vitória do Deep Blue sobre Kasparov, nem as subsequentes evoluções dos programas de xadrez. O Stockfish 8, considerado o crème de la crème, é capaz de calcular 70 milhões de jogadas por segundo e possui um banco de dados com todas as jogadas realizadas pelos cérebros humanos nos últimos cem anos. No entanto, seu reinado durou até 2017, quando a Google lançou o AlphaZero, que funciona com IA.
O AlphaZero aprendeu a jogar xadrez sozinho utilizando o princípio da machine learning (a máquina joga contra ela mesma, várias vezes, até aprender as melhores estratégias). Pois bem, isso não é tudo! Colocaram as duas máquinas para jogar cem partidas. O AlphaZero ganhou 28 vezes e empatou 72, ou seja, não perdeu nenhuma partida para o Stockfish8. O mais espantoso é que o AlphaZero precisou de apenas quatro horas para partir do zero e processar, sem intervenção humana, as 80 mil jogadas por segundo necessárias ao seu funcionamento.
O AlphaZero deixa claro o que a IA causará no mercado de trabalho nos próximos anos. É certo que muitos novos empregos serão criados e, ao mesmo tempo, muitas das atuais profissões deixarão de existir. A transição para o mundo da IA não será tão “fácil” como foi a mecanização da agricultura, que absorveu um pequeno contingente de trabalhadores, alocando-se a mão de obra excedente nas fábricas. Também não foi diferente com a automação das indústrias, ou seja, aproveitaram-se os funcionários mais capacitados e o excedente foi absorvido pelo varejo como operadores de caixa, repositores e estoquistas. Nesse sentido, é possível perceber que o processo de transição para a IA será muito mais complexo, pois irá requerer profissionais altamente capacitados. O desafio será em transformar, por exemplo, um operador de caixa de supermercado em operador de tomógrafo computadorizado com IA.
É certo que nenhum ser humano conseguirá vencer a IA. Portanto, a única alternativa é seguir à risca o provérbio: “Se não pode derrotá-lo, junte-se a ele”. O mercado de trabalho daqui a 25 anos será caracterizado pela cooperação entre a IA e o ser humano. Como vivemos num mundo disruptivo, tornou-se um absurdo imaginar um único emprego para o resto da vida. As mentes de milhões de trabalhadores passaram a imaginar as diferentes profissões que exercerão durante a vida, com auxílio constante da capacitação técnica.