Por Ronaldo Campos
O desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) é o assunto mais comentado nos últimos meses. Para os pessimistas, esse é o primeiro passo rumo à destruição da humanidade. Já os otimistas acham que as condições de vida serão melhores. No entanto, se deixarmos de lado o radicalismo, há um ponto de convergência entre essas duas visões: em breve viveremos numa sociedade completamente diferente da atual. Não se sabe como será, mas a sociedade atual — que se configurou com a Revolução Industrial — está com os dias contados.
O último grande impacto tecnológico aconteceu na década de 1990, quando a internet reconfigurou as relações humanas. Porém, diferentemente da IA, a internet é uma ferramenta de “publicação” dos conteúdos criados pelos seres humanos. Comparada, por exemplo, à imprensa ou ao rádio, é infinitamente mais potente em todas as características: agilidade, velocidade, economia. Porém, a finalidade é a mesma, ou seja, transmitir, por meio da linguagem, os conhecimentos produzidos pelo homem.
Dominar a linguagem humana é dominar o pensamento, pois só é possível pensar por meio dela. Nesse sentido, as futuras versões da IA serão capazes de criar e de reproduzir pensamentos sem a participação humana. A maior preocupação com o desenvolvimento da IA está na manutenção da estabilidade democrática, que é estruturada pela linguagem. A partir do momento em que a IA dominar a linguagem, estarão postas todas as condições para que “outro ser”, que não humano, tenha condições de interferir e modificar as estruturas que sustentam as relações interpessoais, podendo levar ao caos generalizado.
Uma medida imediata, sugerida pelos especialistas, é a regulamentação da IA. Assim como há órgãos regulatórios para o lançamento e o uso de medicamentos, para a utilização dos meios de comunicação, para o uso dos transportes, a IA também precisa ter um órgão que a regule antes do uso generalizado. Conforme já mencionado, a maior preocupação é com a manutenção da democracia, e não com os trabalhos escolares que já são copiados do ChatGPT. Outra medida importante é a notificação, nos textos e/ou nas conversas, de que a pessoa está interagindo com a IA. É preciso deixar claro que a interlocução acontece com uma máquina.
Há tempos que o homem conjectura a possibilidade de ser dominado por uma “força maior”. No século XVII, René Descartes temia que talvez um demônio malicioso o estivesse prendendo em um mundo de ilusões, criando tudo o que ele via e ouvia. Na Grécia antiga, Platão contou a famosa Alegoria da Caverna, na qual um grupo de pessoas fica acorrentado dentro de uma caverna por toda a vida, de frente para uma parede onde várias sombras são projetadas e as imagens são confundidas com a realidade. Essas possibilidades se concretizam com o desenvolvimento da IA.
Por outro lado, a IA proporcionará um grande avanço na medicina, na qualidade de vida, na segurança. Exemplos positivos não faltam, mas há de se ter muita cautela para não cairmos no mesmo erro, por exemplo, que foi cometido com o desenvolvimento da energia nuclear. Desde 1945, sabe-se que ela é capaz de gerar energia barata para o benefício da humanidade — mas também dá para fazer a bomba atômica e acabar com a vida na Terra. Não nos esqueçamos de que o homem é extremamente inteligente e habilidoso para criar ferramentas, porém às vezes não é muito inteligente para usá-las.