Por Ronaldo Campos
Ai quem me dera uma feliz mentira que fosse uma verdade para mim!
(J. Dantas)
Você sabe o que é mitomaníaco? Segundo o Houaiss, é aquele que sofre de mitomania. “Ah! Sim, o.k.. Entendi!? Mas o que é mitomania?” Ora, ainda de acordo com Houaiss: tendência a narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras; hábito de mentir ou fantasiar desenfreadamente. É bem provável que você conheça um mitomaníaco. O mundo está cheio deles.
Os noticiários trazem várias histórias de mitomaníacos. Talvez você se lembre de alguns casos mais célebres que viraram documentários da Netflix: Inventando Anna, sobre Anna Sorokin ou Anna Delvey, que se passava por uma herdeira alemã para extorquir figurões da alta sociedade nova-iorquina e Shimon Hayut ou Simon Leviev, conhecido como O Golpista do Tinder. No Brasil, o caso mais famoso é do Marcelo Nascimento, que se infiltrava nas festas da high society dizendo que era o herdeiro da Gol. Ele mesmo conta sua história no documentário VIPs: Histórias Reais de um Mentiroso (não disponível na Netflix).
Cada uma dessas pessoas mentiu a seu modo, ou seja, não há um padrão entre os mitomaníacos. Porém, quando foram desmascaradas, descobriram-se algumas semelhanças entre elas: acreditavam em tudo o que diziam, por isso achavam que suas ações eram justificáveis e que nunca seriam descobertas. Quanto mais um mitomaníaco se convence da própria mentira, mais fácil se torna convencer os outros.
Pesquisas mostram que a mitomania é muito mais comum do que se pensa. Por exemplo, a pessoa passa a mentir exageradamente para si própria sobre sua autoimagem e acaba criando uma persona muito diferente de quem realmente ela é. O problema é quando a mitomania se torna incontrolável, ou seja, extrapola o eu de modo a atingir outras pessoas que não têm nada a ver com as fraquezas individuais.
Os psicólogos dizem que é muito difícil comprovar a mitomania, porque não adianta simplesmente perguntar se é verdade o que a pessoa está dizendo — uma vez que enganar a si próprio não é um processo consciente. Além do mais, a pessoa está convencida de que não está mentindo. No entanto, a pesquisadora Zoë Chance, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, realizou um estudo que driblou muitas das dificuldades para evidenciar a mitomania.
De modo aleatório, Chance escolheu algumas pessoas e formou dois grupos diferentes para fazer um teste de QI. Em um dos grupos, foi deixado de propósito o gabarito na última folha da prova — como se fosse um erro de impressão. Conforme o esperado, o grupo que teve acesso ao gabarito obteve os melhores resultados. Sem mencionar o erro de impressão, a pesquisadora entrevistou as pessoas que colaram e perguntou se achavam que num segundo teste iriam tão bem quanto no primeiro.
A resposta “sim” foi unânime, ou seja, os que colaram não reconheceram quanto haviam dependido da cola para obter as notas mais altas. De alguma forma, eles haviam enganado a si próprios pensando que sabiam a solução dos problemas, mesmo se não colassem. Se tivessem consciência de que estavam fraudando o teste, não estariam tão autoconfiantes. Saberiam que enganaram a si próprios e que na realidade o bom desempenho só aconteceu, única e exclusivamente, pelo “erro de impressão”.
Em alguma medida, todos nós somos mitomaníacos. Podemos exagerar e inventar conscientemente partes de uma história para, por exemplo, deixá-la mais engraçada, para criar um clima de suspense ou para sensibilizar. Porém, quando usado em demasia, seus efeitos poderão ser catastróficos.