Por Edward Witten
Instituto de Estudos Avançados – Princeton|NJ|EUA
Tradução Rafael Serra Perez
Adaptação e diagramação de Ronaldo Campos
Eu era fascinado por aritmética desde pequenininho. Um pouco mais tarde, me interessei por astronomia. Eu tinha cerca de sete anos quando o primeiro satélite
foi lançado, o soviético Sputnik. Naqueles dias, todo mundo estava empolgado a respeito do espaço, e certamente eu também. Eu achava que seria um astrônomo quando crescesse. No entanto, eu me lembro nitidamente de ter medo de que na época em que me tornasse adulto, astrônomos tivessem que realizar seu trabalho no espaço. Eu não tinha certeza se seria seguro o suficiente. Olhando para trás, eu percebo que meus receios eram exagerados. Uns quarenta anos depois, satélites astronômicos possuem um papel importante na pesquisa científica, mas quase todos os astrônomos ainda fazem seu trabalho na segurança do solo.
Meus pais me deram um telescópio (refletor, de três polegadas) quando eu tinha nove anos. Uma vez, mas apenas uma, eu vi os anéis de Saturno através da lente. Olhando para o passado, fico intrigado por que, quando criança, achava difícil ver os anéis de Saturno pelo telescópio. Para mim, agora é fácil, mesmo com a poluição luminosa das áreas urbanas, Saturno é um objeto que, quando está alto no céu (e está por meses a cada ano), fica visível com facilidade.
Quando eu tinha onze anos, conheci o cálculo, que foi a coisa mais surpreendente de que já tinha ouvido falar, e por alguns anos pensei que me tornaria matemático. A filosofia corrente na época da minha infância era de que crianças não deveriam ser encorajadas a ir muito longe, e muito rápido, com seus estudos, e isso foi uns poucos anos antes de ter contato com matemáticas mais avançadas. O resultado disso foi que, por um bom tempo, eu pensava que a matemática consistia apenas de versões mais complicadas do que eu já sabia. Essa foi uma das razões que fizeram meu interesse pela matemática diminuir por um tempo.
No final das contas, houve muitas idas e vindas nos meus interesses. Quando eu era adolescente, eu pensei em seguir vários campos (incluindo história, no qual me formei, letras e economia) antes de decidir, aos vinte e um anos, me concentrar na física. Eu concluí que a física e a matemática eram os únicos campos em que eu tinha talento e que acharia suficientemente desafiadores.
Foi meio que por acidente que escolhi a física no lugar da matemática. Eu fui a uma biblioteca para escolher uns livros de física e matemática. Eu gostei mais dos livros de física. Analisando em retrospecto, hoje vejo que escolhi bem os livros de física enquanto que o mesmo não ocorreu com os livros de matemática.
Eu frequentemente imagino o que teria acontecido se eu tivesse crescido em outras circunstâncias. É claro que eu tive sorte de ter excelentes oportunidades
de estudar matemática e ciência, e aproveitei essas oportunidades, mesmo depois de vagar um pouco. Muitas pessoas no mundo não têm as mesmas oportunidades que tive. Mas eu dei sorte também devido ao fato de que o sistema educacional dos Estados Unidos é flexível o bastante, de forma que mesmo tendo decidido me tornar cientista aos vinte e um anos, ainda era possível fazê-lo. Em muitos países que oferecem oportunidades excelentes para matemática e educação científica, o sistema educacional é mais rígido e seria muito difícil decidir aos vinte e um anos seguir a carreira de físico, sem ter trilhado o caminho apropriado até então. Em contrapartida, talvez se eu tivesse crescido em um desses países, eu teria seguido o caminho da matemática e física desde o início, e não o caminho ziguezagueado que segui na realidade.
Eu comecei a minha graduação em Princeton, no outono de 1973, no programa de matemática aplicada, que era flexível o suficiente para me concentrar em qualquer área matemática ou científica. Resolvi estudar física de partículas e após um ano me transferi para o departamento de física. Era o período em que o Modelo Padrão de interações entre as partículas conhecidas estava surgindo. Eu não tinha estudo suficiente para entender o que estava acontecendo quando a ressonância J/È foi descoberta no outono de 1974. Esse foi um dos maiores marcos no estabelecimento do Modelo Padrão. Se o Modelo Padrão não tivesse surgido, eu acredito que teria me tornado um fenomenologista de partículas, tentando entender as pistas oferecidas por experimentos. Na verdade, foi assim que comecei: minha tese de doutorado era sobre questões como espalhamento inelástico fóton-fóton (que é medido na prática nas reações e+e– ’‡e+e– + hádrons).
Eu também, enquanto estudante, fiquei preocupado com um tipo diferente de pergunta que só poderia ser feita graças ao surgimento do Modelo Padrão. Essa questão era entender a cromo dinâmica quântica (QCD) e explicar algumas de suas surpreendentes propriedades, como confinamento de quarks. Infelizmente, apesar dos resultados fascinantes já obtidos – e me diverti bastante com qualquer contribuição minha – esse problema continua muito difícil. Mas pensar sobre ele levou a muitas outras questões sobre o comportamento da teoria de calibre em geral, e eu gradualmente fui me interessando por ela. A teoria de calibre mostrou ter muitas relações com geometria diferencial – pouco apreciada inicialmente por mim e outros físicos – e com o tempo também me interessei por essas questões, algumas aplicáveis na QCD e em outras áreas da física, e outras que possuem uma profundidade matemática surpreendente por mérito próprio. Um dos muitos momentos decisivos aqui ocorreu quando eu era pós-doutorando em Harvard, e Sidney Coleman me explicou o trabalho de Albert Schwarz que aplicava o teorema de índices de Atiyah-Singer (de que nenhum de nós tinha ouvido falar antes) para explicar as propriedades do operador de Dirac, que tinha sido importante no trabalho de Gerard ‘t Hooft sobre o problema de U(1) na QCD.
A primeira vez que ouvi falar sobre teoria de cordas também ocorreu devido aos meus interesses em QCD. David Gross, meu orientador, me recomendou no início de 1975 estudar o artigo de ‘t Hooft sobre expansão planar do diagrama de interações fortes. Em uma formulação moderna, ‘t Hooft sugeriu que a QCD com N cores é equivalente à teoria de cordas com constante de acoplamento 1/N. (As evidências acumuladas desde então nos indicam que essa ideia está no caminho certo, apesar de não ter sido desenvolvida apropriadamente). Isso despertou o meu interesse ainda não totalmente recompensado, pela expansão 1/N da teoria de calibre. Não despertou meu interesse pela teoria de cordas, pois na época eu comecei a trabalhar com a expansão 1/N sem conhecer muito sobre essa teoria. Mais tarde, quando John Schwarz e Michael Green reacenderam a teoria de cordas e obtiveram resultados espetaculares, ficou claro para mim que a teoria unificada de cordas e interações de partículas era a coisa mais ambiciosa em que poderia trabalhar e uma arena adequada para meus esforços.
Há uns vinte anos, um físico veterano que admiro muito me contou que, em sua avaliação, a chave para continuar ativo à medida que se envelhece é não ficar acanhado em trabalhar com coisas inventadas por outras pessoas. Ele me deu diversos exemplos de físicos que seguiram ou não essa regra. Agora que estou nos meus cinquenta, acho que cabe a mim tentar seguir o conselho de um amigo.
Este artigo é de domínio público. Foi transcrito da coleção Algumas razões para ser um cientista com o objetivo de divulgar, desmistificar e estimular o estudo da ciência, principalmente entre os jovens.