Por Steven Weinberg
Tradução: Murilo Santana Rangel
Adaptação: Ronaldo Campos
Em 15 de Outubro de 1764, Edward Gibbon concebeu a idéia de escrever a história do declínio e queda do Império Romano enquanto estava ouvindo monges descalços cantando cânticos nas ruínas do capitólio Romano. Eu gostaria de poder dizer que trabalhei em circunstâncias de tanto glamour quanto ele. Eu tive a idéia do meu trabalho mais conhecido enquanto eu dirigia meu Camaro vermelho em Cambridge, Massachusetts, no caminho para meu escritório, no departamento de física no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Eu estava exausto. Tive que me ausentar do meu posto de professor titular em Berkeley um ano antes para que minha esposa pudesse cursar a Escola de Direito de Harvard. Nós tínhamos acabado de passar pelo trauma de nos mudar de uma casa alugada em Cambridge para outra, e eu fiquei com a responsabilidade de levar nossa filha para a creche, parques, e tudo mais. Para piorar, eu estava parado em meu trabalho como físico teórico.
Assim como outros teóricos, eu preciso apenas de papel e caneta para trabalhar, tentando encontrar explicações simples para fenômenos complexos. Nós deixamos que os experimentais decidam se as teorias de fato descrevem o mundo real. Em primeiro lugar, foi por essa oportunidade de explicar alguma coisa da natureza brincando com idéias matemáticas que entrei para a física teórica. Nos dois anos anteriores, tinha feito progressos no conhecimento do que os Físicos chamam de interações fortes — as forças que mantêm as partículas dentro dos núcleos atômicos. Alguns de meus cálculos já tinham até sido confirmados por experimentos. Mas, agora, essas idéias pareciam estar se tornando sem sentido. As novas teorias das interações fortes em que estava trabalhando naquele outono implicavam que uma das partículas da física nuclear de altas energias não deveria ter massa nenhuma, porém, já era conhecido que essa partícula possuía massa bem pesada. Fazer predições erradas não é o caminho para continuar no jogo da física.
Geralmente, quando você se encontra em uma contradição como essa, não é bom sentar em sua mesa a fazer cálculos — você acaba dando voltas em círculos. O que costuma ajudar é deixar o problema cozinhar em seu cérebro, enquanto você senta num banco de praça e assiste a sua filha brincar numa caixa de areia.
Após esse problema ficar cozinhando em minha mente por algumas semanas, de repente, a caminho para o MIT (no dia dois de outubro de 1967, se não me engano) eu percebi que não havia nada de errado com o tipo de teoria na qual estive trabalhando. Eu tinha a resposta certa, porém, havia trabalhado no problema errado. A matemática na qual estive trabalhando não tinha nada a ver com as interações fortes, mas ela dava uma bela descrição de um diferente tipo de força, conhecida como interação fraca. Essa é a força que é responsável, entre outros fenômenos, pelo primeiro passo na cadeia das reações nucleares que produzem o calor do sol. Havia inconsistências em todas as teorias anteriores dessa força e, de repente, vi como elas poderiam ser resolvidas. E percebi que a partícula sem massa nessa teoria que tinha me dado tanto problema não tinha nada a ver com as partículas pesadas que sentem as interações fortes; era o fóton, a partícula da qual a luz é composta, que é responsável pelas forças elétricas e magnéticas, e que de fato tem massa nula. Eu percebi que o que havia cozinhado era um método não apenas para entender as interações fracas, mas para unificar as teorias das forças fraca e eletromagnética, naquela que se tornou a chamada teoria eletrofraca. Isso é o tipo de coisa que os físicos amam — enxergar várias coisas que aparentam diferentes em vários aspectos num só fenômeno. Unificar as forças fracas e eletromagnéticas pode não possuir aplicações na medicina ou nas áreas tecnológicas, mas, se bem sucedida, seria mais um passo em um processo secular de mostrar que a natureza é governada por leis simples e racionais.
De alguma forma, cheguei são e salvo ao meu escritório e comecei a trabalhar nos detalhes da teoria. Antes tinha andado em círculos, agora, tudo foi fácil. Duas semanas depois, enviei um pequeno artigo sobre a teoria eletrofraca para o Physical Review Letters, um jornal amplamente lido pelos físicos.
A consistência da teoria foi provada em 1971. Alguns efeitos novos, preditos pela teoria, foram detectados experimentalmente em 1973. Em 1978, felizmente
as medidas desses efeitos concordaram precisamente com a teoria. E em 1979, recebi o Prêmio Nobel de Física, junto com Sheldon Glashow e Abdus Salam, os quais trabalharam independentemente na teoria eletrofraca. Desde então, tomei conhecimento de que o artigo que escrevi em 1967 se tornou o mais citado na história da física das partículas elementares.
Eu mantive meu Camaro vermelho até ele ser completamente destruído em um dos vários invernos de Massachusetts, porém, ele nunca mais me levou tão longe.
Algumas razões para ser um cientista
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