Por Renata De Luca

Dependendo da sua idade, se pedir para seu pai ou avô que lhe conte como era seu trabalho, ouvirá relatos de uma carreira ascendente, relações sólidas com os colegas, subordinação com a chefia e um cotidiano com uma rotina bem estabelecida. Pois era comum trabalhar anos no mesmo local, com o mesmo grupo, crescendo verticalmente, indo para o emprego diariamente nos mesmos horários e saindo 30 dias em férias por ano.

Muitos desses aspectos vêm sofrendo transformações nas duas últimas gerações. A começar pela ideia de carreira, que antes era pautada em um paciente crescimento degrau a degrau, baseado na experiência e no aperfeiçoamento das habilidades em longo prazo. Entrava como office boy e aposentava como gerente na mesma companhia ou na concorrente, em segmentos semelhantes. Hoje o crescimento tem pressa, mudanças de área são apreciadas, assim como as multicarreiras durante a vida profissional. Imagine há 50 anos alguém dizer em uma entrevista que está voltando ao mercado após um ano sabático passado no exterior! Atualmente, isso pode ser visto como indício de uma habilidade, como sinônimo de ousadia e busca de equilíbrio pessoal e profissional.

As relações sólidas com os colegas de trabalho também estão diferentes, visto que não há mais a longa permanência no mesmo local e predomina a diversidade entre os grupos, que antes eram organizados por homogeneidade. Soma-se a isso a falta de tempo e temos apenas relações cordiais entre os colegas de trabalho, que duram o período em que atuam no mesmo local para depois serem esquecidas.

A relação com a liderança também foi drasticamente modificada: entre o chefe que ocupava um espaço nobre, tão intocável quanto temido e o líder inspirador, que conquista o grupo pelo exemplo, visão e proximidade, muitos tiveram que se reinventar, fazer curso de liderança, perder posições para colegas mais equilibrados e entender que aquele modelo não funciona mais para liderar as novas gerações, que não levam desaforo para casa, não têm medo de mudança e possuem um acesso fácil à informação como nunca houve na história. Por outro lado, padecem de resiliência, calma e aprofundamento para transformar tanta informação em conhecimento.

A última das transformações no antigo modelo de trabalho foi acelerada pela pandemia em curso: a rotina de ir e vir, o espaço físico, as viagens de negócios etc. Havia uma previsão de que essas mudanças aconteceriam, pois o deslocamento nas grandes cidades andava cada vez mais difícil e o custo de ocupação dos locais de trabalho subia de dígito a cada ano; mas a pandemia acelerou dez anos essa transformação e, pior, sem tempo para a transição. Empresas tiveram que investir forte no digital, trabalhadores que aprender a produzir em home office, equipes a colaborar a distância e líderes a cobrar resultados longe dos olhos. E, surpreendentemente, temos mais histórias de sucesso do que de fracassos e muita gente gostando disso.

Evidente que alguns setores têm menos versatilidade para funcionar nessas novas formas de trabalho pela própria natureza dos negócios: o enfermeiro precisa estar no hospital, o lavrador na terra, o operador de máquina perto dela e o construtor na obra. Mas muitas profissões se surpreenderam sendo possíveis longe dos olhos e após alguns meses (mais do que inicialmente esperado) já se fala de um retorno diferente, mesmo após o final da pandemia. A aposta do retorno é em um formato de trabalho híbrido: alguns grupos em casa, outros nos escritórios; dias da semana em home office, outros nas empresas; reuniões on-line, algumas presenciais; atendimentos a distância, outros no coworking; algumas áreas nas metrópoles, outras em cidades menores e assim por diante. Os jovens falam do aumento da liberdade com a prática do anywhere office, conceito que acaba de nascer e que está encantando quem sonhava em morar na casa de veraneio e produzir na mesma medida, sem ser visto como alternativo ou folgado. Ainda é visto como um privilegiado, mas como negar?

Os sinais dessas mudanças já são sentidos com os aluguéis de espaços comerciais diminuindo de valor, contas de combustíveis, energia elétrica e passagens corporativas caindo e o dress code mudando de conceito, saindo do executivo alinhado para o confort arrumadinho. Aparecer um filho ou um pet no fundo da câmera da videoconferência não é mais gafe e, sim, fofura. E a ausência da maquiagem está perdoada, afinal os códigos de etiqueta corporativa também estão em transformação. No início, todo mundo caprichava nos fundos de telas: estantes de livros e obras de arte eram os mais apreciados, agora até nisso há mais condescendência.

Até onde irão essas transformações? Serão duradouras ou passageiras? Ainda não temos como saber, mas como sempre Darwin estava coberto de razão ao anunciar que o mais forte é aquele que melhor se adapta.


Renata De Luca

E-mail: [email protected]

Diretora de RH da Security Segurança e Serviços, psicóloga (PUC/SP), psicanalista (IP/USP), mestre em Educação (FE/USP) e MBA em Gestão de Pessoas (FGV).

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