Por Camila Barreto
Trabalhar oito horas por dia, atender às expectativas do mercado de trabalho visando superá-las, fazer hora extra caso seja preciso, dedicar-se de corpo e alma à carreira. Mas também aproveitar a vida, ler 30 minutos por dia, passear com o cachorro, passar um tempo de qualidade com pessoas queridas, viajar nas férias, conectar-se com a natureza, envolver-se em atividades prazerosas. É possível encontrar equilíbrio entre vida profissional e a pessoal no contexto do nosso sistema produtivo?
Não são raras as histórias de pessoas que se sentiam insatisfeitas com as demandas profissionais e então largaram tudo para viver uma vida mais simples. Uma vida que ruma pelo caminho do “ser” para além do “produzir”, que foge da expectativa essencialmente mercadológica e produtiva que é projetada sobre nós, pessoas inscritas no modo de produção capitalista.
Mas até mesmo essa “fuga do sistema”, se é que podemos chamar assim, é um tanto utópica quando analisamos o contexto prático da grande maioria das pessoas. É quase irrefutável o argumento de que precisamos, sim, nos dedicar à nossa carreira, posto que para sobreviver (isto é, consumir) é preciso tornar-se força produtiva. Em outras palavras, a menos que faça parte daqueles 3% da população com muito dinheiro, você precisa trabalhar para ter o mínimo de qualidade de vida.
O que precisamos então é elaborar a medida. A raiz etimológica da palavra “equilíbrio” remonta ao latim aequilibrium, que nada mais é que a junção de aequu (que significa “igual” no sentido de equidade) e libra (que remete à balança). Ou seja, equidade de pesos distribuídos na balança. É isto que idealmente devemos almejar: o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Esse equilíbrio é também uma questão de saúde pública, pois a sobrecarga de trabalho pode acarretar condições graves. Um exemplo disso é a síndrome de burnout, uma doença ocupacional reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que consiste no esgotamento mental em decorrência de condições de trabalho desgastantes, o que dificulta a execução de tarefas no âmbito profissional. Em 2023, esse distúrbio psíquico já acometia cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros, segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).
Essa problemática fica ainda mais complexa quando fazemos um recorte social mais acurado. As mulheres, sem sombra de dúvida, são as mais afetadas por tais demandas, tanto pelas exigências desiguais que recaem sobre os seus ombros como pelo consequente esgotamento. A tarefa não remunerada do cuidado incumbida às mulheres somada aos desafios do mercado de trabalho desigual faz com que tenhamos de empregar ainda mais esforços para driblar esse desequilíbrio estrutural entre vida pessoal e profissional para conseguir dar conta de tudo.
Além disso, é cientificamente comprovado que ter mais flexibilidade no trabalho faz bem para a saúde de todos. Um estudo da Universidade de Harvard publicado no jornal inglês The Guardian em novembro de 2023 mostra que um trabalho flexível, que permite estabelecer uma vida equilibrada em termos de emprego e lazer, pode reduzir o risco de ataque cardíaco e derrames nos trabalhadores, especialmente entre aqueles com mais de 45 anos, isso sem tornar o processo menos produtivo. Ou seja: flexibilidade e harmonia fazem bem para o coração, literalmente.
Podemos dizer que a busca pelo equilíbrio é uma verdadeira odisseia, repleta de desafios e reviravoltas. Trilhar o caminho do meio implica estabelecer prioridades e revisá-las de quando em quando, propondo-se de fato a embarcar na busca pelo bem-estar, sem necessariamente ter de renunciar à carreira. É claro que nem sempre daremos conta de equilibrar tudo, pois o ciclo é contínuo, mas vale a pena tentar aproveitar conscientemente o respiro entre o ser e o fazer.
Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.