Texto | CAMILA BARRETO

A partir do momento em que chegamos a este mundo, somos imersos em um contexto sociocultural que influencia profundamente o nosso desenvolvimento. Dentre os diversos elementos que compõem esse contexto estão os dados linguísticos, que, fornecidos pelos adultos ao nosso redor, dão notícias sobre a cultura na qual estamos inseridos.

Antes mesmo da língua propriamente dita, desenvolvemos formas iniciais de comunicação por meio do choro e do balbucio até as primeiras palavras e frases. Essa forma de comunicação é voltada para o outro e recebe deste outro uma resposta, um significado.

Os adultos do círculo de que participamos nesta etapa inicial — quando somos bebês — fornecem dados linguísticos para além das palavras, tendo em vista que palavras são indissociáveis de seus significados culturais, sociais e contextuais.

É justamente nesse cenário em que a linguagem começa a se estruturar, desempenhando um papel fundamental no nosso desenvolvimento. Ela funciona como um instrumento de mediação entre o sujeito e o mundo.

Como destaca o psicólogo russo Lev Vygotsky, um dos mais importantes teóricos sobre educação e aprendizado, a aquisição da linguagem não acontece de maneira isolada, mas sim a partir da interação com outros sujeitos. Em seus estudos, ele enfatiza que a apropriação da linguagem está intimamente ligada à constituição do pensamento. A aquisição e a internalização da linguagem transformam o pensamento e a consciência, tornando-os verbais e racionais.

Esse processo, segundo o filósofo e crítico literário Mikhail Bakhtin, é essencialmente dialógico. O outro é quem nos viabiliza os dados externos, é ele que dá notícias de si, do que é diferente, permitindo o desenvolvimento de um senso de alteridade que, por sua vez, contribui para que tomemos consciência de nós mesmos, em contraste com esse outro.

A partir disso, surgem os conceitos de “fala exterior” e “fala interior”, propostos por Vygotsky. A fala exterior, como o nome sugere, é aquela usada para a interação com outros indivíduos, enquanto a fala interior desempenha um papel crucial na organização do pensamento. Essa dualidade nos permite entender a linguagem como forma de expressão e também um mecanismo que organiza a atividade mental, moldando a nossa compreensão e ação sobre o mundo.

A linguagem, portanto, se estabelece como um vasto campo de significação. Ela não está restrita à simples transmissão e recepção de informação, uma vez que está inserida em um contexto essencialmente polissêmico.

Ou seja, uma palavra pode conter em si muitos significados, a depender do circuito linguístico, cultural e contextual em que é utilizada, levando-se em conta, ainda, aspectos como a entonação, por exemplo. Além disso, a linguagem é polifônica, já que ela advém, ainda de acordo com Vygotsky, do diálogo constante entre o contexto sócio-histórico e o sujeito.

São diversos os estudos nas áreas da linguística e da psicologia que abordam de forma muito mais profunda as questões que aqui foram apenas brevemente comentadas. Ainda assim, é possível notar a interessante inter-relação entre linguagem e pensamento no decorrer do desenvolvimento humano.

Embora praticamente universal, esse processo é influenciado pela diversidade linguística. E justamente por se tratar de um processo mental, o modo de pensar e elaborar determinados conceitos pode diferir muito de uma língua para a outra, o que proporciona a pluralidade de formas de apreender e interpretar o mundo ao nosso redor.


Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019 e se tornou colunista da revista INSPIRE-C. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Diagramação | RONALDO CAMPOS
Imagem | ANTON VIERIETIN/iStock

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