Com um movimento iniciado nas últimas décadas, incluir crianças com dificuldade de aprendizagem é uma necessidade na educação brasileira. Indo além do lugar comum, Renata de Luca aborda a inclusão escolar em seu livro, “O embaraço da inclusão escolar” para propor uma discussão/reflexão sobre os benefícios da inclusão pensada para circunstâncias específicas do contexto educacional.
Conversamos com Renata para entender como a inclusão escolar pode servir como ferramenta de uma mudança social coletiva. Confira:
INSPIRE-C: Por que você escolheu falar sobre a experiência da inclusão escolar?
R.L – Esse livro é fruto de um trabalho de 20 anos com clínicas de crianças com distúrbios globais de desenvolvimento. Nesse percurso eu acompanhei a entrada das crianças no movimento inclusivo. Elas estavam começando nas escolas regulares de ensino e com muito eufemismo. O mesmo eufemismo que teve na luta antimanicomial. E eu comecei a ver na clínica a dificuldade disso, que só a vontade e o desejo não bastava. Não era fácil isso acontecer e era um processo que unia várias pontas. Unia a própria criança, a escola e a família. Eu resolvi falar por isso. Era um tema que eu via sair da clínica e acontecer nas escolas com muita intensidade. Com muitos efeitos positivos e negativos e por isso quis falar sobre o assunto.
INSPIRE-C: Como um conhecimento histórico da inclusão escolar pode ajudar nas novas perspectivas de aprendizagem?
R.L – Nos últimos anos a inclusão está, como em todo processo que é novo, mais maduro. Isso tem ajudado muito nos conceitos de pluralidade. Hoje a gente sabe o quanto a pluralidade é importante para a aprendizagem. Aquela noção antiga, que vinha, de que aprender precisa de homogeneidade, todo mundo igual, na mesma série, no mesmo ritmo. A inclusão ajudou a quebrar esses paradigmas. Hoje a gente entende que as crianças e adolescentes e os adultos aprendem também a pluralidade. Elas se beneficiam da diversidade, de gente que pensa diferente. E o mundo do trabalho caminhou para isso também. Toda essa história da homogeneidade dos grupos foi combatida e a inclusão teve um papel fundamental para isso.
INSPIRE-C: O que seria uma inclusão escolar que não segue os ideais de normalização?
R.L – É uma inclusão que dá espaço para o sujeito. É uma inclusão que não tem aquela rigidez de que todo mundo precisa seguir o mesmo método, no mesmo ritmo, com os mesmos critérios de avaliação e se comportar da mesma maneira. Por isso ela é um paradigma, eu chamo ela de embaraço. A escola nasceu através dos princípios da normalização, é um princípio fundador da escola. E quando você inclui e fala assim: “esse aqui é o A-normal”, você está trazendo aquele fora para dentro. Se você traz o fora para dentro e não revisa, o que veio de fora não vai ficar bem ali. Ele vai continuar se sentindo excluído, dentro do muro, mas vai continuar se sentindo excluído. Então esse é o paradoxo. A inclusão forçou e força ainda as escolas, a revisarem um pouco o princípio da normalização, a revisarem os seus fundamentos. A aceitarem, a tolerarem as coisas que são fora daqueles ideais de normalização. E não é toda a escola que está disposta a fazer isso e depende muito da orientação da escola para que isso aconteça ou não. Por isso eu digo que a inclusão não é para todos e ela não é para todas as escolas.
INSPIRE-C: Como fazer com que pais, alunos e todo ambiente educacional ultrapassem a zona de conforto deixada por anos de exclusão das diferenças?
R.L – A experiência é o único jeito de ultrapassar essa zona de conforto. É o tempo, é o dia a dia, é mostrar que o mundo mudou, é mostrar os benefícios da inclusão. Tem que ter uma abertura, por isso eu falo que não é para todas as escolas. Tem que ter um propósito da escola em fazer aquilo, ela ser mais tolerante à diversidade, ela não ser uma escola tão conteudista, tão preocupada só com avaliações, com entregas e com as notas. Isso tudo é importante, mas ela não pode estar olhando só para isso. Com a maturidade, com o tempo, elas vão vendo os benefícios que a inclusão pode trazer. Benefícios sociais, de inteligência emocional, de convivência, de aprendizagem, pelo que as pessoas aprendem de jeitos e ritmos diferentes. Então o tempo foi mostrando isso, tanto que a gente vê que nesses 20 anos que acontecem a inclusão, ela não ficou parada. Muito pelo contrário, mais escolas se abriram para inclusão. Mais locais defendem e estão praticando a inclusão. Se não tivesse benefícios, ela teria regredido e teria ficado estagnada. Mas não, ela tem, mas é a conta gotas, não é para todo mundo, não é para toda escola e aos poucos a gente vê evoluções.
INSPIRE-C: Nos últimos anos houve uma crescente nos movimentos inclusivos dentro das salas de aulas brasileiras. Mas o que ainda falta para chegarmos em um ponto ideal?
R.L – Todos os anos aumenta, ainda bem. Mas acho que o ponto ideal talvez não exista. Se você se perguntar quantas crianças com distúrbios globais em desenvolvimento, com deficiência, pode-se ter em uma sala de aula, acho que esse número não existe. Não tem um número ideal e nem é por aí onde a gente deve percorrer. O ponto ideal tem que ser o ponto onde seja possível para aquela sala de aula, para o porte daquela escola, para o educador que está ali na frente, para o suporte que ele tem junto com ele por parte da escola. Então, é muito de cada classe, onde a escola define o que é esse ponto ideal. O que a gente vê, são as escolas que tem na média de seus 20 a 30 alunos, têm trabalhado com duas crianças. Hoje eu vejo as escolas trabalhando com 10% do seu conteúdo, do seu contingente, com crianças com necessidades especiais. Nisso ela tem o apoio de um professor, mas isso não é regra, isso é o que estamos vendo. Então esse ponto ideal não existe não.
INSPIRE-C: Como essa consciência pedagógica pode colaborar para uma melhor construção coletiva que vá além da escola?
R.L – Esse é um dos grandes ganhos da inclusão para a sociedade. A parte da criança, da família, que passa a fazer laços sociais. Isso pode diminuir uma série de estereotipias. A parte dos pais, com aquele orgulho de levar seu filho para a escola, a esperança de que as coisas melhorem. Então ao passo de todo esse ganho, da criança e da família, essa melhoria coletiva que a inclusão traz é um ganho enorme para toda a sociedade. E isso vai repercutir lá no mercado de trabalho. Porque hoje as empresas falam que a diversidade é importante, ela é um valor, ela vai trazer retorno para a produtividade. Mas se você não começa a trabalhar isso lá na escola, a noção de fraternidade, de você tolerar, de você incluir, de trabalhar com o diferente, ser menos rígido, tudo isso que as empresas estão pedindo hoje, se você não começar a trabalhar isso lá na educação, como você vai ter um profissional desse jeito? Então, tudo que o mundo está pedindo hoje e defendendo em relação a diversidade e seu valor, a inclusão pode contribuir com isso. Porque a criança vai ter um coleguinha lá da escola que não se comporta da mesma maneira que ela, que não tem as mesmas reações, que não aprende no mesmo ritmo ou jeito do que ela. Ele vai aprender a respeitar aquilo, ele vai aprender a conviver e ele vai aprender a lidar com aquilo e isso pode ser muito legal. Com isso você está formando uma sociedade mais plural, contribuindo com o coletivo, formando um adulto que tenha mais jogo de cintura e saiba lidar com o diferente. Você está dando inteligência emocional para as pessoas.
INSPIRE-C: Para quem o livro é destinado? Alunos, pais, professores?
R.L – Ele não é um livro para leigos. Acho difícil uma pessoa que não tenha nenhum conhecimento básico de psicanálise e educação lidar com ele numa boa. Ele é destinado para pessoas que se interessam por inclusão, mas que tenham alguns conhecimentos básicos de educação.
Renata de Luca possui experiência na área de psicanálise clínica com crianças, com ênfase na área escolar. Ela também é professora universitária de cursos de psicanálise e educação.
Você se interessou pelo tema? Caso você queira saber mais, “O embaraço da inclusão escolar” foi publicado pela editora Dialética e pode ser adquirido clicando aqui. Traga mais conhecimento e mudanças para projetos e seu dia a dia.