Por Ronaldo Campos

Foi tão tumultuada a vida do poeta baiano que um biógrafo chamou-a de “vida espantosa”.

Como filho de senhor de engenho, Gregório de Matos Guerra (1636-1695) pôde estudar em Portugal, para onde se mudou aos 14 anos de idade. Lá passou trinta e dois anos, prósperos e tranquilos.

Retornou ao Brasil em 1682, nomeado para funções na burocracia eclesiástica da Sé da Bahia. Durou pouco no cargo, do qual foi destituído em 1683. Iniciou-se, então, a última fase de sua vida. O casamento com Maria dos Povos, a quem dedicou belíssimos sonetos, não impediu a decadência, social e profissional, do Dr. Gregório. Ficou famoso em suas andanças e pândegas pelos engenhos do Recôncavo. Mais famosas ainda eram as suas sátiras. Talvez por causa delas, foi deportado para Angola, em 1694. Pôde retornar ao Brasil, no ano seguinte, mas para o Recife, onde morreu aos 59 anos de idade.

Gregório de Matos Guerra ficou conhecido na história da literatura brasileira como o “Boca do Inferno”, por causa de suas sátiras e de sua poesia erótica. Mas sendo um autor barroco e, portanto, surpreendente e contraditório, esse mesmo “Boca do Inferno” também disse coisas belíssimas sobre o amor, como neste soneto que você irá ler:

Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.

Tu de amante o teu fim há encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo, que exalou, morro abrasado.

Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.

Mais ai! que diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
(Gregório de Matos Guerra)


Vocabulário:
fiel traslado: imagem fiel;
penha: rocha, penhasco;
anelar: desejar;

Consulta bibliográfica:
AMARAL, Emília. Novas Palavra, 2. ed., São Paulo, FTD, 2003.

Foto capa de John Michael Thomson/Unsplash
Imagem Gregório de Matos: Wikipedia
Share: