Fernanda Teixeira

Resumo: Caminhos percorridos da filantropia à gestão empresarial criaram uma sensibilidade que transformou a profissional de carreira numa grande gestora de causas sociais. Engajada em vários projetos e presidindo a ACESA Capuava, Fernanda Teixeira transformou a instituição num centro de referência para autistas. Ela destaca a importância da ética para conquista de resultados positivos.

Palavras-chave: Gestão. Filantropia. Ética.

Venho de uma família simples, em que, desde cedo, me foi ensinado o valor do trabalho, do cuidar do outro e de fazer o bem. Minha mãe, que era enfermeira, mesmo com três filhos, sendo o mais novo com necessidades especiais (João Luiz, hoje com 37 anos, é autista grave), sempre trabalhou, e cresci vendo-a engajar-se em projetos sociais e preocupada em ajudar o próximo, dentro das suas possibilidades. Eu, desde pequena, já participava em atividades comunitárias, como fazer pizza para a igreja que frequentávamos, costurar roupas para enviar a algumas comunidades carentes ou mesmo ajudando minha mãe, ao receber as pessoas em casa que precisavam de ajuda com consultas, injeções, exames ou apenas uma orientação.

Hoje, como gerente de comunicação da FMC Agricultural Solutions — onde iniciei minha carreira há 18 anos —, além de um grande aprimoramento pessoal e profissional, tive a oportunidade de reforçar esse perfil moldado durante a minha infância.

Como em muitas outras corporações, na FMC esses 20 últimos anos foram marcados por um olhar mais atento às ações de sustentabilidade e ao terceiro setor, e pude participar de muitas experiências positivas de gestão de projetos sociais. Sempre pautamos os projetos em benefícios à população carente nas regiões agrícolas de atuação da empresa, e de um deles, em especial, tenho muito orgulho por ter participado. Denominava-se Mulheres de Fibra — um programa premiado, que incentivava as mulheres de empresários agrícolas a criarem projetos de apoio a entidades sociais de suas regiões, por meio de treinamentos de gestão filantrópica e oferecendo know-how administrativo e jurídico, apoio de comunicação, entre outras ações, aos projetos participantes. Foi um programa que favoreceu muitas famílias e que me abriu os olhos para as grandes possibilidades que temos enquanto profissionais de ajudar e efetivamente melhorar a realidade do outro.

Embora o meu papel neste e em outros projetos em que estive envolvida fosse oferecer a nossa expertise para os contemplados, ali, a Fernanda Teixeira, graduada em Relações Públicas e Administração de Empresas, pós-graduada em Marketing e com especialização em Comunicação, Branding e Gerenciamento de Crise, aprendia muito. A Fernanda, filha da Dú e irmã do João, aprendia também, mas colocava em prática o que já havia aprendido desde muito nova.

O impasse foi: como conciliar esse desafio com uma carreira dentro de uma empresa que igualmente implica dedicação e comprometimento?

 

Acredito que, por ter essa postura, a vida tem me oferecido muitas oportunidades de doar meus conhecimentos e potencialidades. Mas a maior de todas — e pela qual tenho um carinho muito especial — ocorreu no início de 2016, quando fui convidada a presidir a Acesa Capuava, entidade filantrópica de Valinhos (SP) que atende pessoas com transtorno do espectro autista e múltiplas deficiências.

Embora tenha sido por causa do meu irmão que me envolvi com a Acesa Capuava, não foi por causa dele que fui convidada, mas por tudo que consegui visualizar e propor para a subsistência da entidade num momento em que, apesar de muito bem estruturada, ela passava por uma crise e estava prestes a fechar.

Fundada em 2002, a Acesa Capuava (Associação Cultural, Educacional, Social e Assistencial) atendia 85 pessoas, sendo, desde então, mantida integralmente pelo governo municipal. Com o corte da verba pelo poder público, os gestores não visualizavam outra possibilidade que não fosse fechar a entidade por falta de recursos. Acompanhando de perto o sofrimento das famílias e observando que não havia um local mais adequado para o João permanecer em atendimento, elaborei um plano e fui conversar com a diretoria. Quando acabei minha apresentação, fui imediatamente convidada a presidir a entidade. Eu só tinha levado algumas alternativas de subsistência, mas eles entenderam que seria o momento de buscar parcerias para a gestão e uma renovação imediata.

Independentemente de me sentir honrada e predisposta a assumir esse desafio, é óbvia a grandiosidade da empreitada, e não foi uma decisão fácil para mim, dadas as responsabilidades que advêm do cargo e da função. Além da gestão de pessoas e de liderar algo sobre o qual tinha conhecimento limitado e diversos fatores desconhecidos — como processos, legislações, técnicas, entre outros —, havia a grande expectativa de gerar sustentabilidade financeira, aumentar a oferta de vagas e retomar os serviços prestados pela entidade, priorizando sempre a qualidade. No entanto, eu sabia — e eles confiavam nisso — que tinha as competências técnicas necessárias para aceitar a missão e, mais que isso, tinha interesse e disposição.

O impasse foi: como conciliar esse desafio com uma carreira dentro de uma empresa que igualmente implica dedicação e comprometimento? Como dedicar uma parte do seu tempo a um projeto dessa envergadura sem abrir mão da sua vida social e familiar? O que eu vislumbrei — e acertei — é que isso seria plenamente possível se conseguisse mobilizar outras pessoas também capacitadas para as funções que deveriam exercer e compor um time qualificado de gestores e voluntários. Convidei algumas pessoas e formamos uma equipe fantástica, levando um modelo de trabalho diferenciado à Acesa Capuava.

Fazendo uma reflexão do seu papel ético na sociedade em que vivemos, o prof. Clóvis de Barros Filho diz que “a ética é inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência”. Montar uma diretoria e um grupo de voluntariado não é nada fácil, mas quando buscamos pessoas com os mesmos valores e princípios éticos que nosso propósito e que reconhecem a missão da entidade como a delas, o trabalho acontece de forma fluida.

Desenvolvemos inúmeras ações ao longo desses 12 meses à frente da Acesa Capuava: promovemos eventos e ações sociais, mantemos uma loja com produtos da nossa campanha permanente em prol do não preconceito à pessoa com autismo, ampliamos a frente de voluntários, melhoramos as condições físicas e de trabalho na instituição, fizemos campanha de doação, criamos um site, um aplicativo e conseguimos levantar recursos via Lei Rouanet para um projeto cultural belíssimo que está sendo executado com primazia neste ano. Também retomamos a negociação com os governos municipal, estadual e federal.

Você tem ideia de quantas instituições por aí estão precisando do seu conhecimento específico? Você sabe que uma dessas instituições pode estar fechando as portas neste momento e deixando desamparados seus assistidos apenas por falta de uma boa gestão ou da sua dedicação? Procure saber. Busque informações nos órgãos públicos, nas instituições de apoio a projetos sociais. É claro que existe um cansaço e um desgaste físico enormes, mas seu conhecimento, seu tempo e seu acolhimento aos anseios do outro têm um valor incomensurável. Só posso dizer que vale muito a pena, não só por exercitar a mente e o espírito, mas também por nos forçar a entregar e ir além do que foi imaginado. Abre seu mundo, suas perspectivas, seu sentido de coletividade e amplia suas relações.

*Fernanda Teixeira é Gerente de Comunicação da FMC Agricultural
Solutions e Presidente da ACESA Capuava

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