Mauricio Barbanti Mello, Advogado
Resumo: Não são em todas as fases da vida que a maturidade está presente, pelo contrário, é mais comum um comportamento imaturo para só mais tarde surgir a compreensão de que aquela atitude não fora a mais adequada. Assim, somos, principalmente na época de estudantes universitários: eufóricos, entusiasmados, esperançosos e imaturos. Entretanto nunca é tarde para recapitularmos o que aprendemos em sala de aula, principalmente os relacionados a vida humana.
Palavras-chave: Ética. Filosofia. Direito. Filosofia do Direito.
Ao falar em Ética no Direito, me lembro das aulas de Ética que tive na faculdade de Direito. Apesar das várias acepções que as expressões “ética” e “direito” comportam, seus significados possuem correlação. Para se ter uma ideia, aprendi no primeiro dia de aula que a palavra “direito” contém nada menos que cinco significados diferentes. Qualquer dia desses consultarei um dicionário para conferir se esse número é exato. Acredito que sim.
Pois bem. A aula de Ética fazia parte da disciplina denominada Filosofia do Direito. Apesar do tempo decorrido — quase 30 anos —, tenho frescas em minha memória as lembranças daquela época.
Infelizmente, devo reconhecer que as aulas de Filosofia, nas quais Ética se encaixava como matéria, não possuíam, digamos assim, a preferência dos alunos. Não obstante a relevância dos assuntos tratados, ninguém as levava muito a sério, ficando relegadas a um plano secundário de importância acadêmica. As aulas de Filosofia não eram concorridas e ninguém temia ser reprovado. Hoje, com um pouco mais de juízo, reconheço a grande injustiça que cometi, desperdiçando uma excelente oportunidade de entender melhor as importantes questões que eram abordadas em aula, inclusive deixando de aproveitar os ensinamentos de um destacado professor, craque na matéria. Enfim, um imperdoável descaso e menosprezo, que procuro reparar com a leitura de textos que tratam do tema. Mas faço isso com muito prazer, sem o dissabor de quem está cumprindo uma penitência.
Talvez esse desinteresse inicial se explicasse em razão de os alunos valorizarem as disciplinas menos teóricas e com maior conteúdo prático. Acompanhar a rotina no fórum e as ocorrências em uma delegacia de polícia eram atividades mais estimulantes e instigantes, assim como o contato com os autos de uma ação judicial. Quanto maior o litígio, maior o interesse demonstrado pelos alunos. Processos afetos ao Tribunal do Júri, que tratam dos crimes dolosos contra a vida, possuíam um apelo tremendo. Consegui um estágio na Procuradoria do Estado, justamente nessa área, prestando assistência judiciária aos réus sem condições financeiras para contratar advogado. Era uma vaga bastante disputada e cobiçada.
As aulas de Ética, por sua vez, pareciam excessivamente teóricas e monótonas. Atualmente reconheço que essa impressão não tinha, como de fato não tem, o menor fundamento. Afirmo, com a mais absoluta convicção, que as aulas de Filosofia, especialmente aquelas que tratavam da Ética, eram as mais importantes de todas, pois se relacionavam aos ensinamentos que representam a base e o princípio que devem regular o comportamento humano, interferindo não apenas no processo de criação das normas, mas também nos procedimentos tendentes a assegurar sua aplicação e efetividade. Afinal, moral e ética representam o corpo e a alma do Direito, em sua mais profunda essência.
Particularmente no âmbito do Direito, assim definido como ciência que regula e disciplina o comportamento humano, a Ética ocupa papel fundamental, na medida em que fornece os subsídios que devem balizar a criação das regras de conduta, que se materializarão no ordenamento jurídico. A Ética constitui a matéria-prima do Direito. Tanto assim que, nos dizeres de Del Vecchio, “o Direito é a parte objetiva da Ética”. Se assim não é, ao menos é assim que deve ser, pois a Ética é que fornece os elementos que devem nortear o comportamento humano. São princípios permanentes, embora saibamos que a moral pode encontrar variações, conforme o local e a época. A Ética, por sua vez, é universal e transcendente.
A Ética constitui a matéria-prima do Direito. Tanto assim que, nos dizeres de Del Vecchio, “o Direito é a parte objetiva da Ética”.
Por tudo isso, não se tem como negar a importância da Ética, não apenas sob o aspecto comportamental necessário à preservação das boas relações sociais, mas também como matéria ministrada no curso de Direito. Para se ter uma ideia dessa importância, basta constatar que todas as outras matérias que aprendi restaram superadas em razão da mudança da legislação. Nem mesmo a Constituição Federal é a mesma, pois me formei no ano de 1988. As lições que recebi nos cursos de Direito Penal, Processo Penal, Civil, Processo Civil, Direito Previdenciário, Direito Tributário, Direito Administrativo e Direito Trabalhista também já não mais se aplicam. Todos os ensinamentos estão superados em razão de alteração no ordenamento jurídico. A jurisprudência e a doutrina também sofreram significativas alterações, considerando não apenas essas mudanças da lei, mas também dos padrões de comportamento e de pensamento. Pobre do profissional que não se atualizou.
Por sua vez, os ensinamentos afetos à Filosofia do Direito, incluindo Ética, são os únicos que permanecem firmes e fortes. Meu pai e meu avô também cursaram Direito e, com absoluta certeza, as aulas de Ética de que participaram possuíam o mesmo conteúdo. Os livros mais importantes que lhes serviram continuam representando leitura obrigatória. E digo mais: se nossos filhos, netos e bisnetos resolverem cursar Direito ou Filosofia, os ensinamentos sobre Ética serão os mesmos que aqueles recebidos por meu avô. Tanto assim que os conceitos transmitidos pelos expoentes do conhecimento filosófico, desde Platão e Aristóteles, passando por São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, dentre inúmeros outros, permanecem atualíssimos. E tudo indica que continuarão sendo, considerando que são universais e atemporais.
Recentemente, com o falecimento do meu pai, fiz uma triagem na biblioteca que deixou. Com relação aos livros acadêmicos, guardei somente aqueles que abordam temas relacionados à Filosofia do Direito. Fiz isso por sentir que assim deveria ser, mesmo porque os demais livros que serviram ao Direito estão todos superados. Acho que, dessa forma, também estou me redimindo, valorizando o que antes desdenhei.
Sabemos que as relações humanas são extremamente complexas e dependem de normatização para que possam prevalecer a ordem e o respeito entre aqueles que delas participam. Quanto mais a norma se distanciar dos princípios éticos e morais, tanto mais difícil será impor o seu comando, resultando em uma existência caótica e desordenada. Tudo deve ser equilibrado, evitando os extremismos que prejudicam a manutenção do bom convívio social. Daí a importância da ética como ingrediente fundamental para a promoção do bem-estar dos indivíduos. Sem ética não há salvação. Estaremos fadados ao caos, principalmente quando essa ética faltar ao Direito, que representa a própria encarnação de seus princípios.
Por tudo isso, espero que a Ética seja mais valorizada, não apenas como matéria do curso de Direito, mas também como referência para o comportamento humano, fazendo com que nos tornemos pessoas melhores, propiciando a ordem e a paz que devem imperar nos relacionamentos.