Tradução e adaptação | RONALDO CAMPOS
Fale com um empresário em qualquer país e, em pouco tempo, ele expressará uma reclamação comum. Nos EUA o desemprego está caindo, mas mesmo assim, um terço das empresas dizem que enfrentam desafios de recrutamento, pois os candidatos não têm as habilidades necessárias para preencherem as vagas em aberto. Na Itália, que tem um alto desemprego, um quarto dos empresários têm a mesma reclamação. A escassez de mão de obra, aparentemente, não é um problema apenas dos países ricos. De acordo com o banco Goldman Sachs, autoridades, reguladores e pessoas do setor privado na Índia se preocupam com a falta de mão de obra qualificada. De Hong Kong à Guatemala, mais de dois terços dos empregadores reclamam da escassez de talentos, de acordo com uma pesquisa da consultoria ManpowerGroup.
A história persiste ao longo do tempo. Quando há muitos empregos, mesmo assim, as pessoas dizem que há escassez de mão de obra: “É difícil para os contratantes encontrarem pessoal adequado”. Mas quando o desemprego é alto, as pessoas ainda dizem que há escassez. “Há 3 milhões de empregos disponíveis nos EUA que não são preenchidos porque muitas pessoas não têm as habilidades requisitadas”, disse Marco Rubio, agora secretário de Estado dos Estados Unidos, em 2013, quando a taxa de desemprego estava acima de 7%. A história também é consistente em todos os setores. Alguns economistas dizem que há falta de trabalhadores braçais; outros se preocupam com quem colherá vegetais. Outros ainda se concentram em cuidadores. Alex Tabarrok, da George Mason University, escreveu sobre “a extrema escassez de trabalhadores com alto QI”. Em resumo, as pessoas sempre dizem que há escassez de mão de obra. Isso diz algo: o termo é escorregadio, talvez até incoerente.
Faz mais sentido quando relacionado ao ciclo macroeconômico. A demanda por mão de obra pode ficar acima da oferta, como aconteceu após a pandemia de covid-19, quando altos gastos impulsionaram a demanda por mão de obra. Em tais circunstâncias, os salários aumentam à medida que as empresas competem por funcionários. Em todo o G10, o salário nominal médio é 20% maior do que em 2019. Por um tempo, um salário nominal mais alto pode eliminar a escassez de mão de obra, incentivando o trabalho e desencorajando a contratação. Mas como a escassez de mão de obra em toda a economia é, em última análise, inflacionária, salários mais altos não alinham a demanda e a oferta. Os bancos centrais devem, em vez disso, aumentar as taxas de juros para reduzir a demanda por mão de obra.
No nível micro a história é diferente. Uma escassez de mão de obra é uma questão de preço e distribuição, em vez de escassez. Se uma empresa reclama da falta de colhedores de vegetais, o que isso realmente significa é que ela não pode contratá-los pelo salário que gostaria de pagar. O termo “escassez de mão de obra”, portanto, implica uma reivindicação normativa — que “deveria” haver mais trabalhadores com o salário vigente — em vez de descrever uma realidade econômica.
Quando você analisa os dados, as evidências de escassez geralmente desaparecem. Considere a construção civil, conhecida pela clássica “escassez de mão de obra” em muitos lugares do mundo. As construtoras dos Estados Unidos falam de uma “necessidade extrema” de novos trabalhadores. Na realidade, na última década, a parcela da força de trabalho americana envolvida na construção civil aumentou de 4,5% para 5,2% (talvez a “verdadeira” parcela ainda seja maior). Mas isso é difícil de conciliar com os dados sobre salários. Na última década, o crescimento dos lucros na construção civil americana foi mais lento do que a média geral. Os empresários não querem pagar mais pela mão de obra da construção civil. Como tal, o mercado parece perfeitamente satisfeito.
Mesmo os altos salários não são necessariamente prova de escassez de mão de obra. Considere Erling Haaland(*), o atacante estrela do Manchester City. O Haaland recebe um salário enorme porque ele marca muitos gols. Em certo sentido, então, há uma escassez global de Erling Haalands. Mas essa é uma posição absurda. Nenhuma quantidade de aumento salarial criará mais jogadores como ele. Sua capacidade de receber um salário enorme é em função de uma habilidade única, não uma falha de oferta de mercado. É nessa lógica que o Sr. Tabarrok erra ao dizer que há uma “extrema escassez” de pessoas com alto QI. Há sempre escassez de indivíduos de altíssimo desempenho — é por isso que eles são valiosos. Chamar isso de “escassez” é apenas renomear diferenças de preço de compensação de mercado.
Reconhecer a realidade da escassez de mão de obra tem implicações políticas importantes. A Austrália mantém uma “lista de escassez de ocupações” para monitorar quais indústrias precisam de assistência estatal. A Alemanha mantém uma lista semelhante e dá às pessoas nessas profissões tratamento preferencial de migração. Nos EUA, Joe Biden tentou lidar com a escassez de mão de obra percebida em certas indústrias por meio de programas de aprendizagem. Sir Keir Starmer, o primeiro-ministro britânico, quer aumentar os gastos com treinamento de trabalhadores nascidos na Grã-Bretanha para aliviar a escassez de mão de obra em seu país.
Os políticos poderiam ter mais impacto se saíssem do caminho. Os economistas gostam da ideia de permitir que as empresas ofereçam mais vistos de trabalho. Isso garantiria que novos trabalhadores fluíssem para as indústrias que têm maior necessidade. Outra medida, seria relaxar as regras de uso da terra para permitir que as pessoas se mudassem para áreas onde o crescimento de empregos é maior. Além disso, os bancos centrais são responsáveis por administrar a escassez agregada de mão de obra, supervisionando o ciclo econômico geral. Da próxima vez que você ouvir o termo “escassez”, desconfie. Só existe um Erling Haaland.
(*)Erling Haaland é considerado um dos melhores atacantes do futebol mundial. Haaland é o 1º jogador na história da Premier League a somar 100 participações em gols (gols mais assistências) em menos de 100 partidas.
The Economist | Finance & economics
Mar 13th 2025
Diagramação | RONALDO CAMPOS
Foto capa | Ryunosuke Kikuno/Unsplash
Foto mídia | Slava Jamm/Unsplash