Texto | CAMILA BARRETO

O TikTok é uma fonte de tendências que nunca para de jorrar. Muitas dessas tendências são de curtíssima duração, enquanto outras se estendem até mais do que deveriam. Dentre aquelas que mais prosperaram na rede nos últimos anos, a clean girl é possivelmente a mais popular.

Em tradução livre, o termo significa “garota limpa”, e diz respeito a uma estética minimalista associada a um estilo de vida saudável. A tendência foi popularizada por celebridades como Hailey Bieber, e o que não falta na internet são manuais de como aderir a esse estilo: o que vestir, o que comer, qual tipo de maquiagem usar, como montar a sua rotina perfeita de cuidados e assim por diante.

O estilo clean girl é marcado por roupas confortáveis em tons neutros ou pastel, cabelos perfeitamente alinhados em um coque ou soltos e lisos, maquiagem discreta e ênfase em cuidados com a pele, com uma cobertura leve e iluminada, de modo a proporcionar uma aparência natural.

Embora esteja associada a um estilo de vida saudável, a tendência, aparentemente inofensiva, camufla diversas problemáticas, tanto do ponto de vista estético como social, que se tornaram mais evidentes ao longo de seu reinado.

Logo de início, é preciso destacar que ser uma clean girl implica adequar-se a padrões que são notadamente excludentes. A “beleza natural”, que preconiza a pele naturalmente perfeita, é idealizada e fabricada, e reforça padrões estéticos que excluem as belezas e peles reais. Ademais, a terminologia “garota limpa” já é, por si mesma, muito controversa: o que exatamente seria oposto a isso?

Além disso, existe uma profunda falta de representatividade nesse movimento. Ao pesquisar pelo termo “clean girl” em plataformas como Google ou Pinterest, é flagrante o predomínio de imagens de mulheres brancas, geralmente magras e de cabelo liso. Isso gerou diversos debates sobre a exclusão de traços de mulheres não brancas dentro dessa estética.

A decadência da clean girl está ligada, também, a um processo cultural recorrente no qual, para cada nova tendência estética, surge um movimento em resposta que propõe uma experiência diferente. Neste momento, a clean girl já está sendo substituída pela volta de tendências maximalistas dos anos 1980, e também pela messy girl, ou “garota bagunceira”, que inspira um estilo mais autêntico e despreocupado. Essa mudança reflete não só um cansaço do minimalismo, como também a busca por uma identidade mais ousada e original.

O maximalismo, aliás, vem ascendendo de forma significativa nos últimos tempos. E o que mais chama a atenção é como ele está atrelado a um potente processo de reapropriação identitária, que se manifesta junto a esses contramovimentos.

Dentre as novas tendências que emergem atualmente, destaca-se o movimento das afropatys, que consiste na expressão estética e manifestação política de mulheres negras. Esse movimento resgata a importância de se afirmar visual e culturalmente, celebrando a identidade negra em suas várias dimensões. De modo simultâneo, aflora também o movimento das latina girls, cujo estilo e características elementares estão sendo, inclusive, constantemente apropriadas e capitalizadas por diversas culturas — mas isso é um tema à parte.

No Brasil, a clean girl em decadência cede espaço para a estética fubanga core, um movimento que se apropria da terminologia machista ao mesmo tempo que assume uma estética sensual, vibrante e ousada, que era, até então, muito marginalizada e estigmatizada no país, inspirada nas personagens de novelas da Globo das décadas de 2000 e 2010.

Todas essas novas tendências emergentes têm em comum a busca por uma identidade mais autêntica, plural e maximalista, recuperando a originalidade e vivacidade das culturas afrodescendentes e latinas. A apropriação dessas tendências permite celebrar e valorizar a liberdade de ser diferente, exaltando o estilo autêntico e criativo.

E a queda da clean girl, por fim, é campo fértil para a volta da excentricidade.


Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019 e se tornou colunista da revista INSPIRE-C. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Diagramação | RONALDO CAMPOS
Foto capa | Lauren Greene/Unsplash
Foto mídia | Hailey Bieber for Vogue US 2021 Wallpaper
Foto mídia | Launchmetrics Spotlight (Elle Brasil)
Foto TV Globo Fubanga core | Isadora Cruz como Roxelle (“Volta Por Cima”), Camila Pitanga como Bebel (“Paraíso Tropical”) e Thalita Carauta como Mauritânia (“Todas as Flores”)

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