Por James W. Cronin
Há muitas histórias contadas por cientistas bem sucedidos que são comoventes, pois grandes dificuldades tiveram que ser superadas, ou por conta de um regime abusivo, ou um sistema educacional tentando sobreviver em um país empobrecido, ou por conta dos sistemas de escolas “separadas, mas iguais”, como nos Estados Unidos. Creio que em qualquer lugar do mundo há potenciais cientistas que nascem a todo minuto. Nós os perdemos por conta da falta de oportunidade, ou pelo desencorajamento deliberado, especialmente no caso de mulheres em muitos países. O Centro Internacional para a Física Teórica (ICTP) é uma instituição que tenta superar as enormes disparidades no acesso à ciência pura. Eu nunca me esquecerei da afirmação de um ex-diretor do ICTP, Miguel Virasoro: “a oportunidade de participar da ciência pura é um direito humano básico!”.
É com estes alertas que lembro de minha experiência em tornar-me um cientista. Eu nasci numa família de professores universitários, não ricos, mas com um padrão de vida confortável. Meu pai era professor de línguas clássicas na Universidade Metodista do Sul (SMU) em Dallas, Texas. Vivíamos numa vizinhança afluente com um sistema educacional excelente, desde que se fosse branco. Suponho que eu já tivesse um interesse em ciências como parte de minha natureza, assim como muitos outros colegas. Tínhamos “kits” de química e construíamos rádios a válvula (cristal). Com este tipo de interesse teria sido natural estudar engenharia, quando se chegasse à universidade.
Meu interesse pela física foi estimulado por um extraordinário professor que tive na escola de Highland Park. Suas aulas tinham fama de serem muito difíceis. Consciente ou inconscientemente, ele assustava a todos nós. O Sr. Marshall demonstrou que a física é uma ciência experimental
e há muito trabalho de laboratório em seu curso.
A propósito, sugiro que o ICTP amplie seu foco para a física experimental, pois pode-se ter certeza de que a todo minuto e em
qualquer parte do mundo potenciais cientistas experimentais nascem, assim como os cientistas teóricos.
Vou dar dois exemplos das aulas do Sr. Marshall. Ele pediu que construíssemos um motor elétrico, encontrando as partes em ferros-velho ou em lojas de segunda-mão. O motor tinha que ter uma parte que rodasse quando um potencial de seis volts fosse aplicado. A variedade de soluções criativas que foram realizadas foi memorável. O segundo projeto foi construir um transformador que servisse para reduzir a tensão AC de 120 volts para saídas de 12 volts, 6 volts e 3 volts. Adicionalmente, o transformador tinha que aguentar uma carga que consumisse 10 watts. A maioria de nós foi a lojas de quinquilharias para conseguir um núcleo de transformador e algum fio. A gente tinha que contar as voltas do fio no núcleo. A maioria conseguiu núcleos parrudos, mas um estudante pegou o núcleo do transformador de um altofalante velho. Isto produziu a voltagem correta, mas quando o teste de potência foi executado, o transformador virou literalmente fumaça e descobri por meio destas aulas de física que eu adorava analisar dados, qualquer dado, por exemplo, o desvio de um pêndulo da constante quando a amplitude era muito grande, ou os detalhes da chegada ao equilíbrio de um calorímetro. Quando eu estava no secundário, li vários livros de ciência para jovens: gostei especialmente do livro de George Gamow, intitulado “Um Dois Três…Infinito: Fatos e Especulações em Ciência”.
Quando fui para a universidade, a SMU, eu tinha planejado estudar engenharia. Meu pai sabiamente sugeriu que eu fizesse uma graduação em física e matemática e depois fosse estudar engenharia, se este ainda fosse meu interesse. Quando completei a graduação, foi natural continuar na física. Fui aceito na pós-graduação da Universidade de Chicago. Naquela época, 1951, Chicago certamente tinha o melhor departamento de física do mundo. Tive aulas com Enrico Fermi, Edward Teller, Murray Gell-Mann, Richard Garwin, Valentine Telegdi, Marvin Goldberger, e Gregor Wentzel. A atmosfera criava em todos os estudantes uma paixão pela física e, sendo o período logo após a Segunda Guerra Mundial, uma era de ouro para a física que estava se iniciando. Eu podia combinar minha paixão pelos dados, com um senso de que a gente devia fazer experimentos que produzissem resultados importantes. Aprendi também que a física é basicamente uma ciência experimental.
Como a física era um campo em expansão naquela época, havia muitas oportunidades de emprego. Fui parar na Universidade de Princeton, onde em 1964, com os colegas Jim Christenson, Val Fitch, e René Turlay, fizemos uma descoberta de importância fundamental, ou seja, que o universo de matéria e anti-matéria tem um comportamento ligeiramente diferente. Isto não foi uma descoberta teórica, mas sim experimental, realizada com equipamento feito em casa, sempre no limiar de quebrar. É uma fascinação constante para mim que um monte de equipamento, fios, detectores e magnetos, alimentados por um lindo acelerador, possam produzir um resultado que é relevante para o nosso entendimento sobre o espaço e o tempo.
James W. Cronin é professor do Instituto Enrico Fermi da Universidade de Chicago, Chicago, IL, EUA.
Tradução Ronald Cintra Shellard
Adaptação e diagramação Ronaldo Campos