The Economist ׀ Business 16/07/2024
Tradução e adaptação de Ronaldo Campos
O que a festa de casamento de US$ 600 milhões, o equivalente a cerca de R$ 3,3 bilhões, diz sobre a família Ambani — a mais rica da Índia
O show privado que a cantora Beyoncé fez para Isha Ambani, em 2018, atiçou a curiosidade dos indianos de como seria a festa de casamento. Calcula-se que somente os gastos com os eventos pré-nupciais ultrapassaram US$ 100 milhões, cerca de R$ 558 milhões. Trata-se de uma quantia inimaginável para qualquer mortal — mas não para a família Ambani, controladora das Indústrias Reliance. Os negócios da família vão desde a extração e o refino de petróleo, passando pelo comércio e o varejo até as telecomunicações.
Apesar de poucas vozes reprovarem abertamente a stravaganza nababesca, muitos indianos acompanharam pela mídia os eventos matrimoniais que uniram os herdeiros das duas famílias mais ricas da Índia. Reações semelhantes ao casamento de Anant, irmão mais velho de Isha e que se casou em junho do ano passado, eram esperadas.
Festas casamenteiras monumentais são uma tradição na Índia. Anualmente, movimentam US$ 130 bilhões, aproximadamente R$ 731 bilhões, que incluem, por exemplo, a fabricação dos sáris, hospedagens, contratação de músicos indianos e internacionais, bufês, locação de jatos e cruzeiros. Apesar das reações de admiração e orgulho de outros casamentos, desta vez a sensação geral foi um tanto amarga. O jornal indiano on-line Juggernaut disse que esse casamento mostrou todo o poder da família mais rica da Índia, mas também causou muita indignação.
Não foi apenas o Juggernaut que expressou certo constrangimento com o último casamento da família Ambani. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, fez apenas uma aparição discreta em um dos eventos. A família Gandhi, que lidera a centro-esquerda, oposição ao governo atual, não apareceu em nenhuma das festas. Muitos dos líderes políticos que foram ao casamento não exercem mais seus mandatos, como sir Tony Blair e Boris Johnson. Outros tantos não conseguiram disfarçar o constrangimento, como John Kerry, ex-chefe do departamento climático dos EUA, e Amin Nasser, CEO da Aramco, a maior companhia petrolífera do mundo. Para complicar, a Reliance refina o petróleo da Rússia — que sofre sanções mundiais desde a invasão na Ucrânia.
Na verdade, as extravagâncias nupciais parecem estar, pelo menos por enquanto, com os dias contados. O partido de Modi, Bharatiya Janata, pagou caro pela aparição dele em um dos eventos: perdeu a maioria dos assentos nas últimas eleições. Pela primeira vez, a população mostrou o descontentamento com as desigualdades socioeconômicas.
A economia indiana cresce a uma taxa de 6,5% ao ano, o que a coloca na posição de segunda maior economia global. Os indianos mais ricos não param de enriquecer sem aumentar a geração de empregos e sem diminuir a pobreza. Entre o casamento da Isha e o de seu irmão Anant, a renda per capita foi de US$ 2.000 para US$ 2.500. Em compensação, no mesmo período, a fortuna da família Ambani saltou de US$ 47 bilhões para US$ 122 bilhões.
As ações das Indústrias Reliance valorizaram 8% em junho deste ano, depois que a empresa de comunicação da família, Jio, aumentou o preço da tarifa dos 470 milhões de clientes — gerando um ganho de US$ 10 bilhões (R$ 56 bilhões). Desse modo, para a família Ambani, as cerimônias matrimoniais parecem uma pechincha. Para os demais, é a certeza de que ela está desconectada da realidade socioeconômica da Índia (e também do mundo).