Por Tayná Rubbo
Texto premiado pelo Programa Mulher e Ciência. São Paulo.

Assim que uma criança nasce, providências são tomadas em relação a ela. Se for menino, carrinhos, roupinhas azuis, bonecos de super-heróis “chovem” ao seu redor. Se for menina, bonecas, lacinhos de cabelo, roupinhas rosa, ursinhos rosa e tudo o que se possa imaginar rosa, chegam à criança como um “bombardeio” de objetos.

Então, ela cresce e registra todas essas situações… Todas essas convenções, melhor dizendo. Por que não se vê menininhas quando bebê usando azul ou meninos usando rosa? “É contra a natureza”, “Porque as coisas sempre foram assim”… São as respostas mais comuns!

Ainda mais quando se vê um menino querendo brincar de boneca, ou uma menina mexendo em um carrinho… É nesse momento que eles se tornam anormais. Taxados desse modo, muitas vezes, pelo preconceito dos próprios pais. Uns se acostumam e voltam a brincar com brinquedos “condizentes ao seu sexo” e outros insistem, estando sujeitos a serem chamados de gays, lésbicas e afins. Ou “frutinha”, “sapatão”, como se dizia no primário.

Realmente, desde cedo meninos e meninas sofrem a discriminação mesmo sem ter motivos. Porque tudo o que os outros querem é discriminar porque “é divertido”, e para isso chegam a criar motivos. Uns porque são gordinhos, outros porque estudam de mais, ou porque não seguem a moda…

E a pequena diferença entre carrinho e boneca se transforma em um dilema gigantesco.

Um dilema que faz os meninos chegarem tarde em casa, enquanto as meninas nem sequer saíram; um dilema que faz os meninos namorarem quem quiserem, enquanto as meninas não podem nem pensar nisso; um dilema que faz os meninos mandarem, enquanto as meninas não podem nem reclamar… E é esse mesmo dilema que faz competentes mulheres ganharem salários mais baixos do que os homens, pelo simples fato de pertencerem ao sexo feminino.

Mas esse dilema tem dois lados, aquele que faz com que as mulheres passem horas no salão, enquanto que se o homem passa trinta minutos fazendo as unhas, ele já virou “fruta”; aquele que faz com que as mulheres passem dias fazendo compras, mas que se o homem fica uma hora no provador, todos desconfiam.

Esse dilema atinge a vida das pessoas diretamente, pois quando se é criança, tudo é manifestado livremente, mesmo que seja estranho aos olhos dos outros… Quando se é adolescente é fácil se camuflar em uma turma, ou chocar a todos com seu ponto de vista.

Porém, quando se chega na fase adulta, tudo é diferente. Todos têm a “obrigação” de serem responsáveis, sérios e bem sucedidos; seja no trabalho, na família, ou em um happy hour daqueles…

Assim, todas as frustrações e vontades da infância se transformam em um jogo de aparências.

O carrinho é substituído pelo carro do ano, sim! Aquele completamente impecável…
As bonecas são substituídas por uma coleção de roupas, sapatos, bolsas e a modelo em questão, não é a Barbie, mas sim a própria criança, que agora cresceu!

Tudo isso para esconder as vontades mais naturais e seguir aquele modelo, corresponder aos padrões impostos pela sociedade… E ai daquele que não o seguir, ainda será taxado de estranho…

E sendo taxado de estranho, começa a acreditar cada vez mais nisso… Começando um outro processo, o de se esconder da sociedade. Mas como todo ser humano, busca entre seus percalços, uma vida natural, querendo relacionar-se… e na modernidade, a Internet é uma grande aliada.

Muitas pessoas buscam esse relacionamento, “essa tal felicidade”, passando por sérios problemas, como o de mentir sobre sua aparência, sobre sua personalidade e, em sua grande maioria, sobre sua condição financeira… Então, o que eles conseguem são admiradores para os personagens criados, e não para si mesmos. Continuando na mesma situação, o problema aumenta, pois toda essa criação pode gerar um conflito de identidade, que encerra um limite entre o que a pessoa realmente é e o que ela gostaria de ser…

Outros ainda, se frustram de tal modo, que não se permitem mais buscar esses recursos e se afundam cada vez mais, caindo em uma depressão. Alguns passam a vida deprimidos, outros têm a vida como um gráfico de altos e baixos… Pois tudo o que quer é ser igual, semelhante, verdadeiramente incluso na sociedade…

E a pessoa cresce daquele jeito: criança estranha, adolescente (porque adolescente sempre é estranho), adulto estranho…

E aquilo fica registrado na mente… Da fase adulta, é chegada à velhice, muitos saudáveis e bem realizados; porém, muitos manifestando suas amarguras e decepções contidas, em forma de doenças. E o carro do ano, muitas vezes não está presente, restando apenas o andador…

As bonecas se tornam enfermeiras e os papéis são invertidos: agora quem recebe os cuidados são os idosos, verdadeiras crianças em espírito.

Muitos até voltam à infância, fazendo o uso de fraldas, o que os deprimem ainda mais, e para se distrair, alguns voltam a brincar de boneca e outros de carrinho. E, se eles trocarem os papéis, talvez, não o acharão estranho, mas com certeza, o taxarão de loucos…

A realidade é que a sociedade é preconceituosa de todas as formas. E o principal motivo são as convenções. Dizer que o mundo está mudando e que as coisas estão mais modernas é perda de tempo; porque um homem pode até usar uma camisa rosa e a mulher uma calça azul porque está na moda. Mas tenha a total certeza de que se eles tiverem um filho, se for menino usará azul e se for menina usará rosa.

E por mais que a humanidade se modernize, as diferenças entre carrinho e boneca sempre existirão.


O Programa Mulher e Ciência foi instituído com o objetivo de estimular a produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no País, e de promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas.
Reprodução total ou parcial autorizada pela SPM.
Fonte: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) / www.spmulheres.gov.br

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