Por Camila Barreto
Em setembro deste ano, a nova trend “being delulu is the solulu”, que significa “delusion is the solution” (desilusão é a solução), fez um grande sucesso no TikTok. O termo surgiu primeiro no K-pop e logo se popularizou entre a geração Z. Trata-se de uma atualização da Lei da Atração e de outra trend derivada desta, que também bombou este ano, a Síndrome da Garota Sortuda.
A tendência ainda é um fenômeno na rede em alguns nichos, com mais 87 milhões de visualizações atualmente. Ser “delulu” nada mais é do que um método de atração que consiste em reprogramar o seu modo de pensar, passando a acreditar e agir como se aquilo que se deseja já fosse realidade. Por meio do “delírio” e até da Teoria Quântica, você acredita que tudo dará certo, e essa plena certeza é o que te faz alcançar sua vida dos sonhos, usando o pensamento para mudar a sua realidade.
Num tutorial de como ser “delulu”, existem dicas do que fazer para atrair a realidade que você quer. Isso se dá, basicamente, pelo pensamento positivo sobre as coisas, que te permite ter uma postura confiante e assertiva diante das situações ao redor. Sobretudo, trata-se de apostar em você mesmo, de confiar radicalmente que aquilo que você deseja é totalmente possível e que obter sucesso é algo simplesmente inevitável. É quase como o já conhecido “finja até que se torne verdade”, ou de “vista-se para a vida que você quer, não para a que você já tem” e mesmo “aja como se você já estivesse vivendo os seus sonhos”.
Em uma matéria da Forbes publicada em setembro, o psicólogo Mark Travers explica como o pensamento delusional promove práticas de mudanças comportamentais e também de padrões mentais, possibilitando implementar pensamentos e atitudes positivas à vida cotidiana, o que te permite viver a vida dos sonhos, narrando a sua própria história, ao seu modo; viver com intenção, guiado pelo impulso da criação. É uma forma de romantizar a vida, com o intuito de fazê-la mais gostosa de ser vivida.
É interessante notar como essa história de ser desiludido e utilizar o delírio como ferramenta para alcançar suas metas borbulha entre o público jovem e esperançoso. Muitos jovens da geração Z — inclusive eu — começam a adolescência ou a vida adulta num período caótico e apocalíptico do combo pandemia e consequências tenebrosas do aquecimento global. Há esperança de um futuro melhor? Como podemos alcançar a vida que sonhamos em meio a esse grande pesadelo?
Talvez seja por esta razão que esses jovens buscam tal tipo de ferramenta de Lei da Atração, cujo combustível básico é um grande desejo, um forte pensamento e uma crença quase radical de que as coisas vão dar certo — as coisas vão dar certo porque não tem outra opção. Quando as ferramentas ficam escassas, o que sobra é uma esperança drástica e delirante.
É claro que nem tudo são flores, e se não usada corretamente, esta prática pode virar um verdadeiro veneno. Não basta só acreditar e querer muito que as coisas deem certo, é preciso também agir para que os desejos se concretizem. Apenas sonhar e desejar muito que seus sonhos se realizem e não fazer nada obviamente não leva a lugar algum, além de ser completamente prejudicial à saúde mental de uma pessoa, gerando frustração e sensação de fracasso.
Há também aqueles que levam o delírio longe demais, especialmente quando se trata de relacionamentos. Não são poucos os vídeos no TikTok de delulu girls que acreditam que “ele não posta fotos com você nas redes sociais porque você é muito bonita”, ou que “ele parou de falar com você do nada simplesmente porque ele tem medo de se machucar”. Esse lado da desilusão pode ser uma armadilha muito perigosa.
De qualquer forma, seja como efeito placebo ou medida paliativa, ser delulu é algo que deve ser praticado com moderação, e com o acompanhamento de ações práticas que estejam em sintonia com esse estado mental. Ser delulu pode, de fato, nos ajudar a ter mais confiança, a tomar decisões que nos façam sentir mais completos, além de servir como um artifício de autoajuda, de um pensamento positivo rumo ao que se quer. Talvez being delulu seja, sim, the solulu.
Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.