Por Camila Barreto

Hoje em dia já é mais do que sabido que uma alimentação saudável e equilibrada é essencial para viver mais e melhor. As redes sociais endossam essa discussão sobre comer bem e também propiciam a circulação de dietas e receitas saudáveis, e esse movimento parece indicar que comer de forma saudável nunca foi tão fácil.

Mas nós de fato podemos acreditar que alimentação saudável é uma simples questão de escolha individual?

Antes de tudo, é preciso lembrar que vivemos uma epidemia de doenças crônicas decorrentes de uma má alimentação. O consumo frequente e excessivo de alimentos industrializados está relacionado a doenças crônicas como obesidade, hipertensão, diabetes tipo 2, além de alguns tipos de câncer e até mesmo depressão. No entanto, esses alimentos compõem 20% das calorias consumidas pelos brasileiros, segundo um estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, publicado em 2023.

Os alimentos ultraprocessados são aqueles que passam por diversos processos de industrialização — por isso são chamados assim. A fabricação desses alimentos inclui muitos aditivos químicos que visam aumentar a durabilidade de tais produtos, além de grandes quantidades de açúcar, sal, gordura saturada e quase nenhum componente verdadeiramente nutritivo.

Segundo um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidad do Chile, o consumo desses alimentos ultraprocessados é responsável por 57 mil mortes prematuras por ano no Brasil, justamente por conta desse tipo de composição.

Dado este quadro alarmante, não resta dúvidas de que é preciso recorrer quanto antes a uma alimentação saudável. Essa opção, porém, não é acessível para todos. Isso porque os alimentos in natura, como frutas, legumes, verduras, e mesmo os alimentos básicos da dieta brasileira, como arroz e feijão, são sempre pressionados pela alta inflação de tempos em tempos.

Assim, quando paramos para equacionar esse problema, chegamos ao xis da questão: os alimentos mais saudáveis são mais caros, enquanto os alimentos mais prejudiciais à saúde são os mais acessíveis.

Esse xis do nosso problema chama-se nutricídio. A palavra foi criada pelo médico norte-americano Llaila Afrika, autor do livro Nutricídio: a destruição nutricional da raça negra. Nutricídio é, pois, o impacto da má alimentação na saúde da população pobre, preta e periférica.

As questões concernentes à alimentação, portanto, são atravessadas por fatores sociais, e isso fica escancarado quando comparamos, por exemplo, o preço do pacote de bolacha e da fruta, da carne embutida e da proteína saudável. Isso impacta, direta e premeditadamente, quem vai consumir o quê e quem vai sofrer as consequências de uma má alimentação.

Nesse contexto temos, de um lado, o índice de obesidade aumentando mais entre as classes mais pobres, e de outro, quase 9 milhões de pessoas que ainda passam fome no Brasil. Não basta dizer que a população deve se alimentar de forma saudável, é preciso dar condições para que esse consumo seja de fato acessível.

A nutrição consciente passa por políticas públicas de conscientização, mas também pela amplificação do acesso à alimentação saudável de qualidade, que vai muito além de só ter comida na mesa. Alimentação é uma questão de política, de saúde pública, de afeto, de cultura, de tradição e, acima de tudo, de um direito fundamental a todos, como consta na legislação brasileira.


O Ministério da Saúde disponibiliza gratuitamente um livro de receitas regionais brasileiras. Para saber mais, clique AQUI e bon appétit!

Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Foto capa de Nadine Primeau/Unsplash
Foto mídia de Andrea Sánchez/Unsplash
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