Por Camila Barreto

A discussão sobre como definimos e experimentamos os espaços hoje em dia chama a atenção pela sua fluidez. Se antes a conexão entre as pessoas exigia um deslocamento físico, fosse para visitar alguém, conhecer pessoas novas e até mesmo trabalhar, hoje, graças à internet, podemos fazer tudo isso sem sair do conforto de nossas casas.

Essa rarefação do limite que existia entre o espaço da casa, do trabalho e da interação social é uma transformação muito recente. Em seu livro The Great Good Place, o sociólogo americano Ray Oldenburg explica o conceito, cunhado por ele, do Terceiro Lugar: em sua classificação, o primeiro lugar corresponde à nossa casa, enquanto o segundo lugar corresponde ao ambiente de trabalho e o terceiro, por fim, corresponde ao âmbito social, ou seja, é o lugar aonde as pessoas vão para relaxar e descontrair.

Esse Terceiro Lugar é, segundo o jornalista Ronaldo Lemos, um tipo de “laboratório cívico acidental”, porque é ali que acontece a conexão entre indivíduos de forma espontânea e aleatória. Sendo assim, esse território é vital para a manutenção do senso de pertencimento e de comunidade, onde pessoas diferentes se deparam e se conectam umas com as outras a partir de atividades compartilhadas que acontecem ali.

O Terceiro Lugar é essencialmente um espaço neutro. Não há pré-requisitos para se apropriar dele, o nível socioeconômico dos frequentadores não importa e não existe uma hierarquia social. O convívio humano se dá de forma orgânica e imprevisível, e o local inspira uma atmosfera de descontração, diversão e relaxamento, uma vez que as pessoas estão ali por livre e espontânea vontade, sem necessariamente consumir um produto. Bibliotecas, parques, livrarias, cafeterias, equipamentos culturais e alguns espaços públicos que promovem eventos e o convívio social são alguns exemplos de terceiros lugares.

Acontece que com todas as mudanças nas dinâmicas sociais e espaciais, pode-se dizer que vivemos uma decadência do Terceiro Lugar, e essa decadência está intimamente ligada às mudanças estruturais nos dois primeiros lugares, isto é, na casa e no trabalho. Na era do home office, não existe uma separação clara entre o espaço doméstico e o de trabalho, de modo que essa mistura impacta a maneira como compreendemos e vivenciamos esses espaços.

O que experenciamos é, na verdade, uma tentativa extremamente escorregadia — e muito provavelmente prejudicial — de sobreposição dos lugares. Alguns exemplos disso são os espaços de lazer como clubes, cinemas e até miniparques em condomínios fechados, bem como as tais “zonas de descompressão” encontradas em algumas empresas, que oferecem áreas de jogos e de descanso, cafeterias, entre outros.

É preciso entender que embora esses espaços ofereçam, sim, algum lazer, eles configuram uma espécie de não lugar, isto é, apenas uma simulação do que seria o Terceiro Lugar, porque em vez de agregar, eles mantêm as pessoas isoladas em nichos, já que ali não existe a possibilidade do encontro espontâneo com indivíduos fora daquela determinada bolha. As conversas tendem a ser voltadas àquilo que é comum ao grupo que ali está inserido, e não há o que é fundamental no Terceiro Lugar: a imprevisibilidade.

É curioso notar, ainda, que mesmo cronicamente conectados por meio das redes sociais, as conexões on-line não suprem aquilo que o Terceiro Lugar oferece. Justamente porque esses laços acabam sendo tão artificiais que podem se tornar exaustivos e difíceis de manter na vida real. Além da questão do algoritmo, que endossa interações e o consumo de conteúdos voltados para determinados nichos, existe uma falta de engajamento off-line para a manutenção dos laços criados nesse ambiente.

E mesmo nas redes sociais já é possível notar um crescente desejo de reocupação deste Terceiro Lugar. Há algum tempo, o termo Third Place (terceiro lugar, em inglês) tem sido muito mencionado em algumas plataformas on-line, acumulando mais de 40 milhões de postagens sobre o assunto no TikTok. As pessoas querem — pelo menos aparentemente — reviver esse espaço real.

A retomada do Terceiro Lugar é uma questão de direito à cidade, é um ato fundamental para a construção da identidade de um indivíduo e é também, em última análise, um ato importantíssimo para a democracia, tendo em vista o contato que proporciona com ideias e pessoas diferentes. Sair de nossas bolhas digitais e explorar a cidade é essencial para revitalizar o espaço público, para lembrar que somos reais, que o outro está ali e que podemos pertencer e conviver enquanto comunidade.


Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Foto capa de Isabela Kronemberger/Unsplash
Foto mídia de Maria Roberta Castilho/Unsplash
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