Por Frank Wilczeck
Massachusetts Institute of Technology|Cambridge|MA|EUA
Tradução de Zeila Virgínia Torres Santos
Adaptação e diagramação de Ronaldo Campos
Os acontecimentos formativos que mais profundamente afetaram minha carreira científica precederam ao meu primeiro contato com a comunidade de pesquisa; na verdade, alguns deles precederam ao meu nascimento.
Meus avós emigraram da Europa quando ainda eram adolescentes, como consequência da Primeira Guerra Mundial. Do lado do meu pai vieram da Polônia, de um lugar perto de Varsóvia, enquanto que do lado da minha mãe, vieram da Itália, de perto de Nápoles. Meus avós chegaram aos Estados Unidos sem nada, sem nenhum conhecimento de inglês. Meus avôs eram carpinteiro e pedreiro, respectivamente. Meus pais nasceram em Long Island, ambos em 1926, e vivem lá desde então. Nasci em 1951 e cresci num lugar chamado Glen Oaks, que fica no canto no nordeste de Queens, quase no limite da cidade de Nova York.
Sempre gostei de todo tipo de quebra-cabeças, de jogos e de mistérios. Minhas memórias mais longínquas são sobre as questões nas quais “trabalhava” antes mesmo de ir para a escola. Quando estava aprendendo sobre o dinheiro, ficava um tempão inventando modos de intercambiar diferentes tipos de moeda (por exemplo, centavos, níquel e dimes) com complicadas formas de troco, esperando descobrir maneiras de estar à frente. Outro projeto era chegar a números grandes em poucas etapas. Gerando números grandes, eu me sentia poderoso.
Com essas inclinações, eu achava que poderia fazer algum trabalho intelectual sem nenhum problema. Algumas circunstâncias especiais me levaram à ciência e, eventualmente para a física teórica.
Meus pais eram crianças na época da Grande Depressão e suas famílias lutaram muito para sobreviver. Esta experiência marcou muitas de suas atitudes, especialmente suas aspirações sobre meu futuro. Eles investiram na minha educação e na segurança que minha habilidade técnica poderia trazer. Diante do meu bom rendimento na escola, fui encorajado a estudar para ser médico ou engenheiro. Quando eu estava crescendo meu pai, que trabalhava com eletrônica, tinha aulas noturnas. Nosso pequeno apartamento vivia cheio de rádios antigos e televisores de modelos primitivos, além dos livros nos quais estudava. Era o tempo da Guerra Fria. A exploração espacial era um panorama excitante e novo e a guerra nuclear, assustadora. Estes temas estavam sempre presentes nos jornais, na televisão e no cinema. Na escola, treinávamos para a eventualidade de um ataque aéreo. Tudo isso me marcou e impressionou muito. Eu tinha a ideia de que havia um conhecimento secreto que, quando dominado, permitiria que a Mente controlasse a Matéria de modo aparentemente mágico.
Outra coisa que marcou meu pensamento foi o treino religioso. Tive uma formação católica romana. Eu gostava da ideia de que existia um grande drama e um grande plano por trás de nossa existência. Mais tarde, sob a influência da obra de Bertrand Russel e o desenvolvimento da minha consciência científica, perdi a fé na religião convencional. Uma grande parte da minha busca recente foi feita para recuperar algum do senso de propósito que havia perdido.
Frequentei escolas públicas no Queens e fui afortunado em ter excelentes professores. As escolas eram grandes e assim podiam ter classes avançadas e especializadas. No ensino médio, tínhamos um grupo de vinte estudantes que estudava junto e competia entre si. Pelo menos metade da turma foi bem sucedida em carreiras científicas ou médicas.
Fui para a Universidade de Chicago com grandes ambições, porém amorfas. Pensei em estudar neurociências, mas logo decidi que as questões centrais não estavam prontas para um tratamento matemático (e que não tinha a paciência para o trabalho em laboratório). Lia vorazmente sobre diversos temas, mas me graduei em matemática, em grande parte porque isto me daria maior liberdade. Durante meu último período em Chicago, fiz o curso sobre o uso de simetrias e teoria de grupos em física, do Peter Freund. Ele era um professor muito entusiasmado e inspirador e me fez sentir em ressonância com a matéria. Fui para a Universidade de Princeton, como um estudante de pós-graduação no departamento de Matemática, mas mantinha um olho no que acontecia na física. Tomei conhecimento de que as ideias profundas envolvendo simetrias matemáticas eram parte das fronteiras na física, especialmente as teorias de calibre para as interações eletrofracas e, as simetrias de escala em teorias de para transições de fase de Wilson. Comecei a conversar com um professor jovem, chamado David Gross, e assim foi que a minha carreira como físico começou.
O principal acontecimento no início de minha carreira foi descobrir a equação básica para a força forte, que é a força que mantém os núcleos atômicos juntos. Estas equações definem a teoria chamada Cromo Dinâmica Quântica ou QCD(1), que detectou a existência de novas partículas, glúons, que foram descobertos logo depois. As equações de QCD são baseadas sobre os princípios da simetria de calibre e as resolvemos usando simetrias de escala. É muito gratificante descobrir que as ideias que eu admirava como estudante podiam ser usadas para chegar a uma teoria poderosa e precisa para uma parte importante da física fundamental. Continuo a aplicar essas ideias em novos caminhos e eu tenho certeza de que elas terão um grande futuro.
Este artigo é de domínio público. Foi transcrito da coleção Algumas razões para ser um cientista com o objetivo de divulgar, desmistificar e estimular o estudo da ciência, principalmente entre os jovens.
(1) QCD é a sigla em ingles, de Quantum Cromo Dynamics.