Por Thiago Mota

Gosto muito de refletir sobre a importância do trabalho em nossas vidas. Entender como historicamente ressignificamos essa relação em função das mudanças na sociedade, do acesso à tecnologia, de novos objetivos e prioridades e do aumento de consciência sobre como o ser humano merece e deve ser tratado.

Ao olhar para a relação que meu pai tinha com a empresa à qual dedicou 23 anos de sua vida, lembro dele dizendo: “Éramos como uma grande família”. Embora acredite que essa expressão tenha ganhado outra conotação atualmente, naquele tempo pude viver essa extensão do trabalho para a vida social. Os colegas de trabalho do meu pai eram também nossos amigos (tios), assim como seus filhos. Todos sempre presentes nos aniversários, nas datas festivas e nos encontros no clube da empresa nos fins de semana.

Porém, essa relação “familiar” com o trabalho vem mudando ao longo dos anos. A forma como nos dedicamos e somos cobrados, também. Um dos marcos dessa mudança, o aparelho de celular BlackBerry, permitiu que diversos profissionais, em geral em cargos de gestão, pudessem acessar e ter de responder a e-mails fora do horário comercial, o que para muitos se refletiu numa sobrecarga e estimulou o debate sobre equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.

Com o incremento da tecnologia e do acesso à internet, essa relação se estreitou. Por meio do acesso aos smartphones, das ferramentas de gestão e do trabalho remoto, nossa presença digital começou a ser demandada cada vez mais pelas organizações. E com ela veio a seguinte pergunta: Qual é o limite?

Perguntas como essa trouxeram reflexões acerca do “direito à desconexão”, segundo publicação da OAB de Mato Grosso. Algo que deve ser garantido ao trabalhador, uma vez “que quando requisitada sua disponibilidade, fora do espaço físico de trabalho pelos meios digitais como Instagram, WhatsApp, e-mail, este deve ser configurado como trabalho a distância”.

Esse debate aumentou significativamente quando a pandemia obrigou as pessoas a trabalharem de forma remota, dentro de suas próprias casas. Para muitas pessoas, o trabalho aumentou nesse período justamente pelo fato de não estar claro até que ponto deveriam estar “disponíveis”. Embora muitas empresas como Nubank (que enviou cadeiras ergonômicas aos funcionários) tenham oferecido apoio, empresas com culturas frágeis sofreram devido à falta de confiança entre empregador e empregado e pela incapacidade de seus líderes de gerirem seus times de forma remota.

Vale lembrar que muito antes da pandemia, empresas e startups vinham promovendo espaços de trabalho mais agradáveis e teoricamente livres. Porém, espaços tão “legais” também trouxeram o questionamento sobre o ambiente perfeito versus um local no qual você não pode querer sair de tão incrível que ele é.

Sempre observei com cuidado esses espaços que ofereciam trabalho e diversão no mesmo pacote, tudo “junto e misturado”. Será que dá um bom caldo? O grande risco é a dificuldade em separar as coisas. Não por acaso ou mera coincidência, as pessoas estão passando mais tempo no trabalho e sofrendo as consequências de uma vida “24 horas conectada”.

Resultado disso: burnout. A palavra que oriunda do verbo em inglês “to burn”, queimar, é expressão criada nas ruas pela sensação de desgaste, falta de energia relatada por pessoas após o uso de drogas e que foi importada pelo médico alemão Freudenberger para descrever o que no Brasil chamamos de “esgotamento”. O burnout, descrito como síndrome do esgotamento profissional, põe em questão lemas de uma geração como “work hard, play hard”, que pode ser entendida como trabalhe duro e se divirta na mesma proporção. Ou ainda “no pain, no gain” (sem dor, sem ganho). A nova geração de trabalho, chamada de Y ou Millennials (pessoas nascidas nos anos 1980), trouxe um novo conceito ao mercado: ser feliz enquanto trabalha e não apenas na aposentadoria. O que para alguns pode representar uma certa imaturidade, para outros revela uma inteligência em querer encontrar sentido naquilo que faz. “A moçada que está ingressando no mercado de trabalho agora tem muito a ensinar às outras gerações porque, para esse pessoal, é vital ter equilíbrio entre obrigação e lazer”, afirma Eline Kullock, presidente do Grupo Foco.

A geração Y também é responsável por essa indistinção entre vida pessoal e trabalho, um dos riscos ao “fazer aquilo que gosta”, pois passar do horário ou mesmo ter horário é algo totalmente fora de moda, já que diz respeito à cultura workaholic. Um dos maiores críticos desse comportamento é o escritor Domenico De Masi. Em seu livro O ócio criativo, ele traz justamente um paradoxo a uma das habilidades mais demandadas pelo mercado: a criatividade. A falta de tempo para a ociosidade, ou seja, de um tempo livre para pensar sem pressões, é um obstáculo à criatividade. Não que seja a solução do assunto, mas a empresa 3M tornou-se um caso de sucesso nesse sentido por permitir que os funcionários dedicassem 15% de sua carga de trabalho à inovação e ao livre pensar.

Segundo a revista Exame, “seis em cada dez profissionais estão estressados pelo excesso de tarefas e desejam ter uma vida mais equilibrada”. É por dados como este que o tema do burnout tem ganhado cada vez mais importância, tornando-se um caso de saúde por meio da associação entre excesso de trabalho e problemas emocionais, psicológicos e até físicos. Embora o assunto “excesso de trabalho” não seja novo, pelo menos a abordagem de cuidado com o burnout tem ganhado nova relevância, traduzindo-se em dados como mostra pesquisa da Deloitte que apontou que 77% dos americanos já passaram por uma crise de burnout. De 2020 a 2022, a incidência de afastamentos por transtornos mentais cresceu 30%, segundo uma plataforma de saúde que afirma que “o gasto de empresas deve chegar a bilhões até o final do ano”. No Brasil, as doenças psicoemocionais já são a terceira maior causa de distanciamento do trabalho, segundo informe da Previdência Social.

Desde a Revolução Industrial as pessoas já sofriam por excesso de trabalho, porém, com o movimento de humanização nas organizações, o tema ganhou importância até dentro da OMS. Em publicação da revista Você S/A, a psicóloga Christina Maslach, da Universidade da Califórnia e a OMS nos dizem que o burnout se apresenta em três dimensões: a exaustão, o cinismo e a redução da eficácia profissional. A exaustão está relacionada ao cansaço físico; o cinismo, a um certo descaso pela empresa e pelos clientes; e a queda na eficácia é a consequência final resultante de todo esse processo crônico, sendo essas três as características principais e imprescindíveis a um diagnóstico de burnout.

O coquetel de ações que empresas e governos têm feito ao redor do mundo inclui redução da carga semanal de cinco para quatro dias, pausas para respirar, para praticar atividades como ginástica laboral, yoga ou simplesmente para frequentar um espaço de “descompressão” (adoro esse nome).

Atualmente muita gente substituiu o termo “estar estressado” por estar com burnout, em geral por estar cansado. E embora esse autodiagnóstico tenha sido recebido por pessoas que informam ser esse o motivo ao se demitirem, nem sempre é realmente um caso de burnout. Com a pandemia, o tema da saúde mental ganhou força e atenção, como a frase que diz: “Saúde em 1º lugar”. Precisamos dormir de 7 a 9 horas por noite, segundo a Sleep Foundation. E, enfim, cuidar melhor da saúde de uma forma integral.

Gosto de lembrar que, no Brasil, conseguir balancear atividades profissionais e pessoais é privilégio de poucos, e embora sejamos um país com 11,3 milhões de desempregados, o “excesso de trabalho angustia mais gente do que o medo de perder o emprego”, como destaca matéria da Exame.

Portanto, este olhar sobre o equilíbrio das relações é vital e humano, pois toca em pontos como remuneração, lazer, condições e ambiente de trabalho, para lembrar que colaboradores, profissionais, como diria Nietzsche, são antes de tudo “humanos, demasiadamente humanos”.


Thiago Mota
Sócio e fundador do Novo Expediente, caminho que escolheu para levar mais consciência sobre como lideramos e gerimos as organizações. Formado em Relações Internacionais, tem MBA em Gestão de Negócios pela FGV e atualmente estuda Psicologia Analítica pelo Ijep/SP. É designer de experiências de aprendizagem pela Kaospilot/Copenhagen, mentor de negócios de alto impacto e facilitador de grupos em temas como liderança, cultura e inovação em diversas organizações no País.

Contato: [email protected]

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