Editorial ׀ The Economist ׀20/11/2024 ׀
Tradução e adaptação: Ronaldo Campos

Em Baden-Württemberg, no sul da Alemanha, estão localizadas as sedes de empresas multinacionais, como a Bosch e a Mercedes e é um ótimo local para sondar as ansiedades da Alemanha. Os alemães temem a desindustrialização à medida que se encaminham para uma eleição que parece certa que irá tirar o atual chanceler, Olaf Scholz, do cargo — isso se o partido dele não abandoná-lo antes. O ministro das finanças, Danyal Bayaz, preocupa-se com o fato de a Alemanha ter desperdiçado o “dividendo da globalização”. Nos últimos 15 anos, os alemães não souberam aproveitar as baixas taxas de juros. Agora, enfrentam uma crise energético, a crescente concorrência da China e a perspectiva de Donald Trump impor tarifas de 10-20% sobre as importações. Tuso isso poderá levar o modelo de negócios do país a um “colapso”.

Bayaz lamenta a incapacidade da Alemanha de acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias — apesar de ser muito desenvolvida na ciência e na engenharia. Ele observa que a última grande startup de sucesso da Alemanha foi a SAP, uma empresa de software, fundada no momento em que Franz Beckenbauer, com suas grandes costeletas, levou a seleção de futebol da Alemanha Ocidental à vitória no campeonato europeu, em 1972. A população da Alemanha é 60 vezes maior que da Estônia, mas tem apenas 15 vezes mais “unicórnios” (startups privadas avaliadas em mais de um bilhão de dólares).

As indústrias alemãs, especialmente as pequenas e médias, as Mittelstand, concentraram-se na inovação incremental, o que as deixaram despreparada para os choques tecnológicos — como o advento dos veículos eléctricos. As ligações amistosas entre empresas, bancos e políticos geraram complacência e resistência às reformas. A adesão dogmática às regras fiscais resultou em pontes enferrujadas, escolas decadentes e comboios de suprimentos atrasados. O crescimento nos mercados estrangeiros engordou os lucros (e as receitas do tesouro) da Deutschland AG durante algum tempo, mas esse modelo liderado pelas exportações deixou a Alemanha exposta quando os ventos da globalização mudaram de rumo.

Atualmente, a China representa apenas 6% do total das exportações alemãs, aproximadamente a mesma porcentagem que a vizinha Holanda. Mas a história com a China não diz respeito apenas à dependência das exportações. Analistas alertam que um “segundo choque da China” poderá piorar os problemas industriais da Alemanha. O mercado interno da China não consegue mais absorver o excesso de produção de seus fabricantes, que são subsidiados pelo Estado, e consequentemente o excedente comercial do país explodiu. Isso cria muitas dificuldades para as empresas alemãs no mercado interno e externo.

À medida que as exportações alemãs para a China diminuem, os EUA ocupam parcialmente o espaço aberto. Algumas empresas conseguiram explorar as oportunidades deixadas pela dissociação entre os Estados Unidos e a tecnologia chinesa; outros engordaram com a bonança de subsídios desencadeada pela Lei de Redução da Inflação. Mas agora Trump ameaça tudo isso com as novas medidas que sinaliza em seu segundo governo.

A história da desindustrialização pode ser mais complicada do que parece. A perda de empregos na indústria transformadora reduz a já decrescente produtividade da Alemanha. Mesmo com a queda da produção, o valor acrescentado bruto na indústria transformadora manteve-se estável. Por outras palavras, alguns fabricantes alemães podem fabricar produtos mais valiosos e vender menos. Esta “qualidade em vez de quantidade”, como diz o Deutsche Bank, sugere um caminho para as empresas alemãs de tecnologia de ponta, incluindo automóveis de luxo. A Alemanha mantém uma vantagem em tecnologia verde, incluindo turbinas eólicas e eletrolisadores.

Mas isso dificilmente poderá compensar as perdas em outros setores. A Alemanha tem de superar o seu “fetiche industrial”, avalia Moritz Schularick, do Instituto Kiel para a Economia Mundial. As indústrias com utilização intensiva de energia não crescem há duas décadas. O setor automobilístico vem perdendo postos de trabalho há seis anos e uma reversão parece improvável. “Durante anos eles acreditaram que ‘somos os melhores’ e, de repente, acabou”.

Forças estruturais profundas impulsionam mudanças no modelo industrial da Alemanha. Convencer os alemães de que existe uma alternativa para ser um Exportweltmeister (campeão mundial de exportação) é um trabalho que leva anos, e não meses. Mesmo para compensar o declínio do comércio noutros países é uma maratona: apesar dos melhores esforços da Alemanha, as negociações de comércio livre da UE com o Mercosul arrastaram-se durante 25 anos.

Thorsten Benner, que dirige o Instituto Global de Políticas Públicas de Berlim, diz que a Alemanha passou do “otimismo fácil” dos anos de Angela Merkel para uma “armadilha sombria” em que a política disfuncional, as restrições do “travão da dívida”, a burocratização excessiva e a desconfiança pública reforçam para uma mudança estrutural. Ele espera que o próximo governo possa atuar como um “disjuntor”.

O clima se tornou tão desanimador que, em contraste com o que era há seis meses, há uma sensação crescente de que mudanças profundas são inevitáveis. Isso constituirá o pano de fundo para o próximo acordo de coligação, que poderá assistir a um “grande acordo”, no qual Merz aceitará ajustes no “travão da dívida” se os seus parceiros concordarem com cortes de impostos ou reformas na segurança social. Mas há uma ironia sombria se a aritmética parlamentar frustrar a mudança no momento em que as estrelas se alinham para isso.


Foto mídia de Itai Aarons/Unsplash
Foto capa de Casey Horner/Unsplash
Foto Franz Beckenbauer/Ballon d’Or (X)
Share: