Por Helen R. Quinn
Centro do Acelerador Linear de Stanford|Menlo Park|CA|EUA
Tradução Ana Amélia Bergamini Machado
Adaptação e diagramação de Ronaldo Campos
Eu cresci na Austrália, em uma época e lugar onde jovens garotas não eram incentivadas a pensar sobre uma carreira a longo prazo. Nós deveríamos trabalhar por poucos anos antes de casar, nos estabilizarmos e construir uma família. Não apenas meus professores, mas também meus pais opinavam sobre o modelo esperado para minha vida. Nunca me ocorreu questioná-los. Assim, eu nunca sonhei com a vida que eu levo atualmente, como uma cientista com muitas colaborações em diferentes lugares do mundo e uma reputação internacional.
Felizmente, meus pais valorizavam imaginação e curiosidade. Eles não me trataram diferente dos meus irmãos na forma com que eles incentivavam estas habilidades, assegurando, ao mesmo tempo, que eu desenvolvesse as habilidades de que eu necessitaria para ser esposa e mãe. A escola em que eu fiz o primeiro grau foi também uma ótima escolha para mim, o programa básico tinha um estilo educacional progressivo, modelado sobre os pensamentos de John Dewey, que promovia motivação individual e desenvolvimento intelectual. O programa do segundo grau, embora mais formal e estruturado, foi afortunado devido à qualidade das mulheres que eram professoras. Mulheres inteligentes, quase todas solteiras. Ensinar era uma das poucas carreiras abertas para elas. Elas valorizaram e apoiaram minha ânsia de aprender e me desafiaram a pensar.
Eu me lembro de uma vez, quando eu estava pensando a respeito do que poderia ser minha carreira, que minha excelente professora de matemática me disse “Helen, você poderia ser uma matemática” mas, logo depois de uma curta pausa, acrescentou “porque você é muito preguiçosa. Você se recusa a resolver um problema da maneira mais trabalhosa, então você pensa até encontrar uma maneira inteligente para resolvê-lo.” Eu não sabia se isso era um elogio ou não, mas estava surpresa pela sugestão de que poderia ter uma carreira como matemática.
Eu nunca decidi conscientemente que a ciência era o meu caminho. A primeira vez que pude decidir sobre quais assuntos eu gostaria de estudar foi no primeiro ano do segundo grau (10th grade). Quando eu sugeri um plano de estudos que não incluía o nível mais desafiante que a ciência oferecia, tanto meus pais quanto meus professores insistiram que não era a escolha correta para mim. Eu fiz os cursos que eles sugeriram. Nos próximos dois anos o número de matérias se reduziu e o conteúdo das mesmas aprofundou-se. Eu sempre fazia a maioria dos cursos que eu poderia fazer, incluindo todos os cursos de ciência e matemática. Acho que isso era em parte porque aqueles eram cursos em que eu me sobressaía e porque era constantemente incentivada pelo meu pai, que era um engenheiro.
Me formei aos 16 anos no segundo grau, e comecei na Universidade de Melborne. A pedido dos meus pais eu me inscrevi para muitas bolsas de trabalho. Esse é um sistema em que uma companhia ou agência governamental financia estudantes nas universidades e em retorno o estudante é requisitado a trabalhar para eles durante cinco anos após a graduação. Aceitei a oferta da bolsa de trabalho do Departamento Australiano de meteorologia para me tornar uma meteorologista.
Uma experiência de que eu me lembro claramente, foi quando estava trabalhando no Departamento Australiano de Meteorologia no verão de 1959 ou 60, e os dados de satélite de nuvens se tornaram disponíveis pela primeira vez para os meteorologistas australianos. Como o clima de Melbourne vem sempre de uma direção onde não existe nada entre a costa mais próxima e a Antártica, a previsão se baseava somente em mapas de climas que eram uma extrapolação de dados muito limitados. Os mapas melhoraram enormemente com os dados do satélite. A diferença entre os dados e as extrapolações foi dramática. Minha visão cética das previsões teóricas atuais remonta àqueles mapas meteorológicos antes dos satélites que eram feitas para Melbourne.
No meu segundo ano na universidade de Melbourne meu pai foi convidado para trabalhar nos EUA em uma companhia associada a uma pequena firma de engenharia que ele tinha dirigido na Austrália. A companhia americana ofereceu a mudança da família inteira para os EUA por três anos, ou mais tempo, se nos decidíssemos a ficar. Todos concordamos que uma estada de três anos nos EUA seria uma experiência interessante. Ficamos lá por muito mais tempo do que isto!
Eu fui liberada do meu compromisso com a agência meteorológica; ninguém naquela época e naquele lugar esperaria que uma jovem, que ainda não tinha completado os dezoito anos, vivesse longe dos pais por três anos. Eu não sabia nada acerca do sistema de educação nos EUA. Me inscrevi em duas universidades que ficavam perto de onde minha família residiria; Stanford e a Universidade da Califórnia em Berkeley. Stanford foi condescendente aceitando os créditos das disciplinas que eu tinha feito na Austrália, então eu escolhi ir para lá. A especialização em física foi a mais fácil de completar. Eu pude concluir em um ano e três meses. Aqui devo agradecer a Jerry Paine, o professor de física a quem eu fui enviada para avaliar minha posição. Efetivamente, ele deixou que
eu selecionasse o nível em que deveria ingressar. Foi assim que eu me tornei uma especialista em física.
Quando completei minha graduação, eu estava realmente interessada em física, e a faculdade de Stanford me incentivou fortemente a continuar os estudos na pós-graduação. Eu me inscrevi nos programas de PhD, embora duvidasse que eu pudesse completá-lo. Fiz isto simplesmente porque a escola mais interessante para mim não aceitava estudante para fazer o mestrado. Planejava secretamente obter o título de mestrado em um ano e depois me tornar uma professora de física de segundo grau. Simplesmente eu não tinha ainda a confiança de que eu pudesse ter uma carreira como física. Mas no final do primeiro ano eu estava fascinada com a física que eu estava aprendendo. Eu fiquei e me tornei uma física. A minha especialidade é a física de partículas.
Este artigo é de domínio público. Foi transcrito da coleção Algumas razões para ser um cientista com o objetivo de divulgar, desmistificar e estimular o estudo da ciência, principalmente entre os jovens.