Por Camila Barreto

Nós faremos tudo o que um casal comum faz. Você me apresenta para a sua família e eu te apresento para todos os meus amigos. Nós temos prioridade na vida um do outro, planejamos viajar, adotamos um cachorro, passamos o tempo todo juntos. Namorar? Não exatamente. Porque, apesar de fazermos tudo aquilo que as pessoas que namoram fazem, você é só o meu ficante premium plus.

Não é nenhuma surpresa que a internet e os aplicativos de relacionamento impulsionaram mudanças expressivas no modo como nos relacionamos romanticamente. O que temos agora é uma gama enorme de possibilidades que se estabelecem enquanto “quase relações”, e que correspondem ao limite entre estar totalmente solteiro e ter um relacionamento sério propriamente dito.

Para isso, surgem novas terminologias que ajudam a classificar esses “quase-algos”: tem o olhante, o curtante, o conversante, o contatinho e o ficante, sendo que este último se apresenta nas versões premium, limited edition, comfort ou até mesmo premium plus, a depender do grau de comprometimento e favoritismo das pessoas envolvidas.

Todos esses neologismos misturados com estrangeirismos dão uma pista importante sobre como os jovens lidam atualmente com as suas relações afetivas. A volatilidade somada à falta de comprometimento real colocam esses relacionamentos intermediários, por assim dizer, como uma experimentação, um test-drive para saber se a relação tem futuro.

O que mais chama a atenção é a nossa necessidade de rotular todo tipo de interação em potencial. Aquela pessoa com quem você sempre troca olhares no restaurante é o seu olhante; tem também o seu curtante, aquela pessoa com quem você troca likes nas redes sociais há um tempão — e com quem você provavelmente já está comemorando seis meses de bodas de intenção —, que pode eventualmente ser promovido a conversante se as curtidas evoluírem para uma conversa no chat.

Dentre todos esses, nenhum se compara ao ficante. Aquela pessoa com quem você estabelece uma conexão mais profunda, sem que a relação seja regida, obrigatoriamente, pelas mesmas convenções de um namoro monogâmico. É basicamente namorar sem mudar o status para “namorando”, possibilitando maior flexibilidade em caso de desistência de uma das partes.

Pode-se dizer que existe aí uma complexificação das relações. É claro que a categorização implica um pragmatismo muito eficaz, posto que há uma adequação da procura de acordo com as necessidades e disponibilidades de cada um. Isso demonstra, inclusive, como essa nova geração não está necessariamente a fim de um relacionamento sério assim desde o início, o que permite um melhor aproveitamento das fases do flerte.

E quando você achar que não pode piorar, saiba que tudo pode acabar com um ghosting da pessoa que você gosta. O termo, que deriva da palavra inglesa ghost, que quer dizer fantasma, é utilizado nesse contexto para se referir ao sumiço repentino de uma pessoa. Esse método, tal como o orbiting — que é quando uma pessoa fica orbitando a outra, isto é, rondando-a sem o interesse de se fazer presente — está muito na moda como forma de terminar um relacionamento. Aqui, a falta de comprometimento é tão explícita e extrema que não há sequer responsabilidade emocional para com o outro.

É fato que essas novas convenções abrem brecha para uma espécie de limbo emocional, já que não estamos falando, de fato, de relações claras e bem estabelecidas. Seriam essas novas dinâmicas um passo firme em direção ao amor platônico livre? Ou então só um “tapa-buraco” para quando não estamos a fim de algo sério? Não queremos nos comprometer por simples falta de vontade ou por medo? É difícil dizer com certeza. O que sabemos por enquanto é que entre estar só e estar em um relacionamento sério existe um abismo de oportunidades.


Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Foto de Creative Christians/Unsplash
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