Por Camila Barreto

A popularização dos cartões de crédito ao longo dos últimos anos acompanha a tendência de evolução da sociedade de consumo. De acordo com a Associação Nacional de Crédito e Serviços (Abecs), os gastos via cartões aumentaram 33% em 2021. Esse dispositivo de crédito funciona como um meio de manutenção do estilo de vida, e há quem diga que o cartão de crédito possibilita, de fato, a realização de consumo das pessoas.

A verdade é que não é bem assim. A compra feita com o cartão proporciona, sim, a aquisição de um item de forma imediata, rápida e indolor. No entanto, a fatura sempre chega, e é preciso dinheiro para quitá-la. É preciso lidar, ainda, com as taxas de juros altíssimas que chegam com essas faturas, e a consequência disso é que muitos não conseguem pagar e acabam se endividando.

O primeiro equívoco reside no fato de que grande parte das pessoas que adquirem e fazem uso desses cartões muitas vezes não sabem como os juros do cartão podem prejudicar suas finanças. Isso acontece por conta da falta de educação financeira, que propicia mal-entendidos, fazendo com que os consumidores acreditem que aquele limite, que às vezes é maior que a sua renda, é um dinheiro extra disponível.

Assim, por não conhecer as regras sobre juros do cartão de crédito, muitos acabam pagando tarifas abusivas sem saber. E a cobrança abusiva de juros está diretamente relacionada a essa falta de conhecimento financeiro, como mostra um levantamento feito em 2018, divulgado pelo Serasa, com base em dados dos bancos centrais de diversos países, que apontou que a média anual da taxa do rotativo — quando se paga o valor mínimo do cartão — era de 352,76% no Brasil, enquanto que em outros países da América Latina ela não atingia nem 50% ao ano.

Por outro lado, para considerar o uso do cartão de crédito hoje em dia, é preciso ponderar o contexto econômico do país. Em um período de maior estabilidade econômica, esse uso viabiliza o acesso a bens de consumo mais ligados ao bem-estar e ao estilo de vida das pessoas, ainda que essa realização de consumo se dê em parcelas a perder de vista.

No contexto atual, entretanto, o aumento no valor de produtos básicos e serviços somado aos impactos econômicos decorrentes da pandemia, como diminuição da renda e desemprego, contribui para que as famílias recorram aos cartões crédito para obtenção de itens essenciais. As contas básicas, como água, luz e gás, consomem quase toda a renda das famílias mais pobres e desassistidas, e o dinheiro que sobra para comprar comida é quase nenhum.

Em tempos assim, o “sonho de consumo” de muitos é o mais necessário: se alimentar, pois de acordo com dados do Serasa, 70% das pessoas que se endividaram por causa do cartão de crédito no ano passado o fizeram para comer.

Desse modo, muitas pessoas são levadas a fazer uso do cartão para comprar alimentos e itens de necessidade básica. Ocorre que essas pessoas não têm dinheiro para pagar a fatura do cartão, e acabam caindo no rotativo, recorrendo a empréstimos que trarão mais juros, e as dívidas viram uma bola de neve. O resultado é pagar para ter dinheiro para comer. Enquanto isso, o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas no Brasil, divulgado pelo Serasa no mês de fevereiro, mostra que o número de inadimplentes chegou a 65 milhões no Brasil.

A ideia de que o cartão de crédito é um artifício que proporciona a realização de sonhos é uma utopia, especialmente quando a população do país está, na verdade, empobrecendo. Enquanto os brasileiros têm o seu poder de compra diminuído, as empresas vendem o desejo de aquisição a juros altíssimos. E o “sonho de consumo” segue sendo a compra do mês parcelada em muitas vezes.


Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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