Por Renata De Luca
Que o brasileiro não é um exemplo de resiliência, todos já sabemos: povo afetuoso, de ganho imediato, com gingado e criatividade de sobra. Mas mesmo cientes disso, causou surpresa o que vimos nas últimas semanas: diante da segunda onda da pandemia provocando aumento significativo dos casos de Covid, de notícias de mutações do vírus e diante de pedidos enfáticos de profissionais da saúde para fortalecer o distanciamento social, o que fez o brasileiro? Festou, festou e festou.
O interessante são as justificativas: será ao ar livre, só para conhecidos, mediremos temperatura na porta, exigiremos testes, álcool em gel à vontade… e a melhor de todas: depois de um ano tão duro, não aguentamos mais e merecemos comemorar. Alguns de fato se convenciam e se enganavam de que não haveria riscos; outros, assumidamente, não se importavam. Surgiram até festas clandestinas, com o sugestivo nome de private party, provocando o desejo e a disputa em quem gosta de se sentir exclusivo. Seja nas praias, seja em festas ou bares, a atitude foi de diversão, relaxamento e ausência de medo da doença que matou oficialmente 200 mil pessoas.
Nada como uma crise para entender a cultura de um povo, observar como ele se comporta diante de situações extraordinárias. O brasileiro é assim: gosta de festa, pensa no aqui e agora, não respeita normas e faz poucos sacrifícios pelo coletivo. Somos uma cultura jovem, que nunca enfrentou grandes guerras ou calamidades nacionais. Desastres da natureza passam longe da terra maravilhosa, conflitos são locais, problemas tendem a ser isolados e estamos acostumados a conviver com a desigualdade social, serviços públicos precários, educação perrengue, incompetência governamental e tantos outros males crônicos. Soma-se a essa história uma geração imatura acostumada ao crédito disponível, às facilidades das redes sociais, ao culto ao individualismo, à ausência de respeito aos líderes e chegamos às justificativas das festas.
O que está por trás não é novidade: a baixa resiliência do jovem brasileiro, chegado a privilégios com poucos esforços. Esse conceito derivado da física que aborda a capacidade de um corpo em retornar à sua forma original após sofrer deformação ou choque, originária do latim resilire, voltar atrás, fala da capacidade em enfrentar e superar adversidades. A resiliência social analisa a capacidade de uma comunidade em lidar e se adaptar ao estresse, a mudanças sociais, políticas ou econômicas. Há uma compreensão da vulnerabilidade da comunidade às mudanças, em que pessoas mais prósperas têm mais opções e podem apoiar as mais fragilizadas em seus esforços à adaptação, contribuindo para um enfrentamento comum e uma saída reconstrutiva.
Esse comportamento coletivo medido pela resiliência social não é gratuito, e sim fruto de experiências coletivas que exigiram essas atitudes e comprovaram seus ganhos em longo prazo. Em geral, encontra-se em sociedades maduras, experimentadas e não à toa respeitosas com seus patrimônios e ancestrais, pois é coerente dizer que a experiência privativa comum gerou valor e propósito ao presente.
Assim, deixar de festar para não ser vetor de contaminação e sobrecarregar um exausto sistema de saúde só faz sentido se pensarmos no coletivo em detrimento ao prazer individual imediato. E a maioria não tem essa visão. Não estamos falando aqui apenas de adolescentes e, sim, de uma posição imatura que independe da idade. A resiliência não é fruto do passar dos anos, mas da aprendizagem com a experiência, e está extremamente relacionada ao suporte adequado da liderança. Podemos lembrar aqui do conceito winnicottiano de mãe suficientemente boa. O pediatra inglês Donald Winnicott escreveu sobre uma preocupação materna primária, que faz com que uma mãe se volte para seu bebê recém-chegado, despojando-se de seus interesses pessoais, para atender às necessidades dele. Essa dedicação é importante para que ela interprete o choro e se coloque numa posição de compreensão e cuidado. Mas isso deve ser transitório; em um segundo momento, a mãe precisa retomar seus interesses e não se sentir mais como a única capaz de interpretar seu bebê. Ela precisará ter dúvidas, causar frustrações, deixar faltar, sair da posição onipotente e se descolar para que a criança crie seu espaço e se desenvolva. Falhas extremas em um dos dois momentos, alienação ou separação, causam danos psíquicos severos.
Os líderes de uma sociedade madura se comportam como a mãe winnicottiana: são suficientemente bons. Preocupam-se em prover o bem-estar social, têm clareza dos seus papéis, antecipam-se às soluções, dão exemplos, pedem ajuda e deixam espaço para a individualidade dos seus membros.
Será uma pena se o Brasil não extrair desta pandemia a aprendizagem coletiva necessária para o amadurecimento e crescimento da resiliência social. Seguirá como um filho infantilizado: individualista e em busca de soluções mágicas.