Título original: O mundo é belo e a gente tem que mostrar isso para as pessoas

Por Marcelo Gleiser
Dartmouth College
Hanover|NH|EUA

Entrevista de Carolina Cronemberger

“O mundo é belo e a gente tem que mostrar isso para as pessoas.” Se uma pessoa se resumisse num único pensamento, este seria provavelmente o que usaríamos para falar de Marcelo Gleiser, astrofísico brasileiro que mora e trabalha nos Estados Unidos. Assim também terminou nossa conversa informal sobre as razões que o levaram a fazer física. Mas poderia ter começado deste jeito, já que foi esse o motivo principal que o levou para a ciência e, em especial, à física. Na infância, conta, era uma menino muito místico, fascinado pelas grandes questões “que todas as crianças perguntam, mas a maioria dos adultos não consegue responder”, e preocupado com as origens da vida, do universo e da mente. A princípio, por ser de família judaica, procurou essas respostas na religião, mas não se interessou pelas respostas prontas das “religiões monoteístas”. Aos poucos foi percebendo que a ciência dava conta de muitas dessas questões. Aos 13 anos chegou às suas mãos uma foto de Einstein com seu avô materno, que havia sido anfitrião dele em sua passagem pelo Brasil. Juntou essa foto a um disco de Mozart e fez um espécie de altar. Era aquela sua nova religião. Desde essa época ele mantém seu interesse constante pelas ciências, apesar de não ser o tipo “Feynman”, “aquele que gosta de eletrônica, que desmonta tudo”. E brinca: “sempre fui teórico”.

Segundo Marcelo, uma das características mais importantes para ser bem sucedido nesta carreira é o entusiasmo, primeiro para conseguir trabalhar duro e durante longas horas sem parar, e depois, principalmente, para estar sempre curioso pelo mundo. Como ele mesmo chama, a capacidade de não deixar de ser uma espécie de Peter Pan da sociedade, aquele que nunca deixa de fazer perguntas, e acrescenta: “As perguntas são muito mais importantes do que as respostas.”. Foram estas questões que o fizeram perceber que sua vontade era realmente seguir a carreira científica.

Na época de escolher sua profissão, enfrentou alguma resistência na família. “Quem vai te pagar para contar estrelas?” seu pai dizia. Assim, depois de muito insistir, conseguiu que ele aproveitasse seu interesse pelas ciências e fosse fazer Engenharia. Conseguiu isso apenas durante os primeiros dois anos da faculdade de Engenharia Química. Nesse tempo seu interesse continuou sendo Física e Matemática. No segundo ano ganhou uma bolsa de pesquisa em relatividade. Mais uma vez, Einstein o aproximou da ciência, mas desta vez definitivamente. Marcelo então resolveu que física era a carreira que o deixaria mais feliz. E se transferiu para a PUC, onde se formou. Hoje é pesquisador e professor.

Atualmente dá aulas de Física e Astronomia no Dartmouth College, em New Hampshire, Estados Unidos. Se considera muito realizado com a profissão: “É uma vida privilegiada. A gente tem uma vida razoável e é pago para fazer as perguntas que sempre fez. Somos herdeiros do conhecimento que vem desde os gregos.” Além disso acrescenta o fato de que (teoricamente) na ciência não existe uma estrutura hierárquica. Ela é horizontal e democrática, “mas só depois que você é doutor”, salienta.

Nesta fase da carreira, defende Marcelo Gleiser, todo físico deveria ser o mentor dos que estão começando. Ele acha que a interação pessoal é muito importante para ser bem sucedido em ciência. É desta maneira que o futuro cientista vai aprender a fazer ciência, escrever, e pesquisar. E principalmente,
vai aprendendo a fazer as perguntas certas.

Será que existe um lado ruim nisso tudo? “Não gosto muito da arrogância. A natureza ensina a gente a ser humilde. Ela é sempre muito mais esperta do que a gente.” Vendo a alegria com que ele fala do seu trabalho, não parece que isso tenha sido tão difícil de superar: “hoje em dia eu já sei o que fazer. Quando eu era garoto eu não sabia. Sofri em várias situações.” – diz ele, e dá a dica: “eu diria que você tem que separar a sua relação com a física da sua relação com os físicos. Só assim dá para manter essa chama”. Ele garante que ter mantido amizades também fora da física lhe ajudou muito. Além do mais, ele acrescenta, “a ciência não pode ser feita só de grandes cientistas”.

Paralelamente à pesquisa, Marcelo trabalha com divulgação científica no Brasil e no exterior. Participa de programas de televisão, escreve livros e artigos para jornais: “a ciência pertence à sociedade, não aos cientistas” e acrescenta: “Ela define as visões de mundo, é parte da cultura de uma época.” Ele acha que o fato de não ter “cara de nerd” também o ajuda a se comunicar com maior número de pessoas, de pesquisadores a crianças. Nem todo cientista tem essa vocação: “Tem que saber adequar a linguagem”, diz. A medir pelo sucesso dos seus livros e pelo entusiasmo que esse carioca de 46 anos demonstra quando fala de física, o saldo é muito positivo mesmo.


Esta entrevista é de domínio público e tem por objetivo divulgar a ciência. Faz parte da coleção Algumas razões para ser um cientista que procura desmistificar e estimular o estudo da ciência — principalmente para os jovens.

Foto capa: Hikarinoshita Hikari/Unsplash
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