Por Anderson Borges Costa

Quando estamos cansados, procuramos no quarto o descanso. Contra os pesadelos do cotidiano, vamos ao encontro do sonho no quarto. O quarto é, portanto, a moradia do aconchego, do amor, do prazer e da revitalização. É no quarto que nascemos. E renascemos todos os dias. No entanto, para a escritora Carolina Maria de Jesus, negra e favelada, o quarto é o lixo, é a fome, é a violência que batem diariamente à sua porta e que ela registrou com incrível realismo no livro Quarto de despejo: diário de uma favelada. Livro para ler no quarto. Leitura transformadora, que se transformou em best-seller traduzido para 13 línguas.

Escrito na linguagem do dia a dia, sem concordância nominal ou verbal, na concordância do pobre, na concordância dos que passam fome, dos que precisam catar papel na rua para garantir pelo menos uma refeição a cada dia, o diário de Carolina Maria de Jesus cobre quatro anos e meio de sua luta cotidiana por comida, para sustentar sozinha seus três filhos em um quarto na favela do Canindé, à beira do rio Tietê, entre 1955 e 1960. Ironicamente, a favela do Canindé, lar de pobres marginalizados por uma egoísta sociedade capitalista, foi destruída e despejou dali seus sofridos moradores para dar lugar à construção de uma avenida na cidade de São Paulo batizada com o nome de… Marginal.

Ao ser designado pelo jornal Folha da Noite para escrever uma reportagem sobre a favela do Canindé, que se expandia rapidamente, o jornalista Audálio Dantas conheceu uma moradora que gostava de ler e de escrever. Assim, ele entrou em contato com Maria Carolina de Jesus e leu páginas do diário no qual ela registrava o duro dia a dia dos moradores da favela.

O texto estabelece diálogos com as letras dos raps dos Racionais MC’s. A escrita de Carolina é parte de um processo de arte-raiz, na qual a artista cria com a alma. Nesse sentido, Carolina Maria de Jesus se aproxima de grandes gênios que criaram com o instinto com o qual nasceram, como Cartola, Pixinguinha ou Louis Armstrong. Não por coincidência, todos pretos e pobres. A arte não acadêmica é uma aula para acadêmicos. Quarto de despejo (ao lado de “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MC’s) é leitura obrigatória no vestibular da Unicamp. Não podemos ser despejados deste atual e revolucionário quarto. Boas leituras!

Quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus
Editora Ática


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas e professor de Inglês no curso Cellep. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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