Por Camila Barreto

A história do Paribar começa com a vinda das famílias Ducco e Bauducco para o Brasil, em meados da década de 1940, em razão dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. Em 1949, as famílias inauguram, em São Paulo, um empreendimento, um café que era também bar e restaurante, e que recebeu esse nome por conta da junção das sílabas iniciais de “Pastifício, Ristorante e Bar”. O estabelecimento fez sucesso desde o início, principalmente por ter sido o primeiro bar a colocar mesas na calçada, o que, apesar de ser muito comum na França à época, era uma novidade para a São Paulo dos anos 1950. Durante uma crise nos negócios, o gerente italiano Franco Zanuso assume o empreendimento e segue competentemente com o compromisso de alicerçar a autenticidade e a essência do lugar.

Por conta do seu estilo cosmopolita, e também graças à sua localização na Praça Dom José Gaspar, atrás da Biblioteca Mário de Andrade, o Paribar passou a reunir muitos frequentadores ilustres. O bar que fez sucesso entre os modernistas, como Tarsila e Oswald, era frequentado também por políticos como Jânio Quadros, Delfim Netto e Adhemar de Barros, além de muitos intelectuais e escritores. Se você tivesse sorte naquela época, podia sentar-se ao lado de Sergio Milliet, que tinha ali sua mesa cativa. O restaurante chegou a ser um dos personagens do conto “O bar de cento e poucos dias”, do escritor e também frequentador assíduo Marcos Rey. Assim, o Paribar atravessou os anos do regime militar e se firmou como reduto da boemia intelectual paulistana da segunda metade do século XX.

Então veio a década de 1980, e o aumento da violência na região central foi um dos motivos que levaram ao fechamento do estabelecimento. Em setembro de 1983, o Jornal da Tarde publicava uma reportagem, escrita pelo repórter Randau Marques, sobre o último dia do Paribar: “As luzes do térreo do Edifício Thomas Edison foram desligadas sob protestos: os clientes do Paribar continuaram a ocupar as mesinhas da Praça Dom José Gaspar mesmo depois de terminadas as últimas cançonetas, entoadas ao som do velho piano e de brindes comovidos por umas 30 pessoas inconformadas com o fim de seu ponto de encontro dos últimos 33 anos”.

Mas, nos anos 2000, essa história ganha um novo personagem, e também um novo capítulo. Mais especificamente no ano de 2005, o empresário Luiz Campiglia decide começar um novo negócio no mesmo lugar onde fora o Paribar. O café, chamado Santa Fé, fez sucesso desde a abertura. Não demorou muito para que os clientes do Santa Fé comentassem com o Luiz sobre o Paribar e sua história, que ele próprio não conhecia, mas que logo de início lhe chamou a atenção.

Iniciou-se, então, um processo de registro. O Luiz passou a projetar e reconstruir o que fora o Paribar daquela época. Ah, e por falar em registro, o nome “Santa Fé”, escolhido por Luiz a princípio, já estava registrado, mas o nome Paribar não — obra do destino ou mera coincidência? Seja como for, em 2010 o Paribar ressurgiu, agora nas mãos de Luiz, para se firmar mais uma vez baluarte da boemia paulistana.

A ideia de fazer renascer o Paribar, segundo o próprio Luiz, foi uma maneira de homenageá-lo, de interpretar o passado e fazer uma espécie de releitura, de pensar o que daquela época poderia ser transposto aos dias de hoje de um modo que fizesse sentido para o seu tempo e seu novo gestor, o Luiz. O cardápio montado por ele — que tinha entre os pratos o Frango à Sergio Milliet — também trazia essa essência da comida típica de São Paulo; entre os drinques, por exemplo, havia o Caju Amigo, considerado a bebida clássica paulistana. Tanto no interior, com as fotografias dos antigos donos e da antiga fachada, como no cardápio especialmente elaborado, o Paribar era essencialmente Paribar: paulistano, boêmio, acessível, multifacetado.

Esse processo de interpretação de uma história e de ressignificação desta no presente mostra como a cultura é coesa. Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, e o Luiz transformou o Paribar, a seu modo, no Paribar do século XXI, que abrigou festas de rua, intelectuais, artistas, DJs e pessoas de todas as classes. O bar e restaurante, tão plural quanto fora no passado, ocupou o espaço, deu vida ao centro da cidade.

Agora, o Paribar fecha as portas novamente. Muitos são os motivos que culminaram nessa decisão, mas o principal deles é um ciclo que se modifica. Sim, que se modifica, e não deve ser considerado um fim em si, mas sim um “vem aí”. Vem aí um novo projeto do Luiz, que envolve sua pesquisa sobre comida paulistana — que é sua grande paixão — e vem aí, quem sabe, um novo (re)começo para o Paribar.

E, diferentemente do primeiro fechamento, não há protestos em mesinhas em frente ao bar. Na verdade, ainda é estranho passar pela Praça Dom José Gaspar num sábado e ver o espaço sob os toldos verdes e brancos vazio. A comoção, no entanto, é quase a mesma — senão ainda maior. Inúmeros frequentadores se manifestaram nas redes sociais com mensagens de carinho sobre o bar, compartilhando suas fotos e seus momentos lá.

Então, este texto, diferente do artigo do Jornal da Tarde, conclui-se um pouco mais otimista, entendendo que esse ciclo está em processo de transformação, e desejando um bom recomeço ao Luiz e ao Paribar.

> Leia abaixo a entrevista com o proprietário do Paribar, Luiz Campiglia, e clique AQUI para ver as fotos do Paribar.

INSPIRE-C: Quem é o Luiz Campiglia?

Luiz: Sou graduado em Administração de Empresas, depois fui estudar gastronomia. Cheguei a trabalhar no terceiro setor. Depois abri o Paribar e, sem muita pretensão, o bar pegou. Já no terceiro dia havia fila na porta. Havia uma demanda muito reprimida no centro de São Paulo. Foi um sucesso!

INSPIRE-C: Quando foi a primeira inauguração do Paribar?

Luiz: O Paribar foi inaugurado em 1949. Em 1922 houve a Semana de 22 e os modernistas continuaram com a tradição de colocar mesas na calçada, tanto é que o bar foi o primeiro estabelecimento a trazer esse hábito europeu para a cidade de São Paulo. Então, claro, como os modernistas frequentavam muito a Europa, acabaram se identificando com o local. Trouxeram o “pensamento livre” para o bar e foi o que eu sempre tentei reproduzir.

INSPIRE-C: Então você pesquisou essa época? Como foi sua pesquisa de voltar ao passado e traduzir para o presente o hábito da boemia paulistana?

Luiz: Logo no início do Paribar, eu já tinha um interesse muito grande em fazer essa pesquisa. Já nos primeiros dias de funcionamento, continuei pesquisando e me aprofundando cada vez mais sobra a alimentação da época da boemia paulistana, diga-se alimentação de botequim, de taberna, na construção da cidade. Então, o Paribar tem uma importância muito grande na construção da cidade de São Paulo. Eu nunca quis abrir um bar temático: “Ah! Vou pendurar aqui meia dúzia de coisas na parede e está aberto o Paribar”.

INSPIRE-C: De que maneira a sua pesquisa ajudou na construção do novo Paribar?

Luiz: Quando comecei minha pesquisa, percebi que havia uma coisa muito mais profunda neste lugar e que não caberia uma coisa falsa. Ser falso não ia colar! Então, logo que eu reabri, em 2010, muitos dos antigos frequentadores ainda eram vivos e voltaram a frequentar imediatamente. Ao mesmo tempo, fui muito claro com eles: “Não é uma cópia, já que tem muito de mim aqui”. Mesmo assim, foi ótimo! Todos ficaram muito satisfeitos com o que encontraram. A pesquisa nasceu por isso e acho que sedimentou um caminho a partir daí.

INSPIRE-C: Desde a inauguração, quantos donos passaram pelo Paribar?

Luiz: As duas primeiras famílias foram a Bauducco, do panetone, e a Ducco. Depois veio o Franco Zanuso, que era o gerente, assumiu o bar, depois fechou e eu reabri. Foram poucas pessoas. A maior responsabilidade é a minha (risos).

INSPIRE-C: Antes, o Paribar era frequentado por Tarsila do Amaral, Sérgio Milliet, Cândido Portinari, Jânio Quadros, Ademar de Barros, Delfim Neto, ou seja, por intelectuais, escritores e políticos da época. Você acha que mudou muito o perfil dos frequentadores?

Luiz: Acho que não. O bar continua sendo frequentado por artistas, grafiteiros, artistas de rua, arquitetos. São os novos modernistas. Se eu os pegasse e os levasse para aquela época, com certeza eles seriam os modernistas. É o que eu acho.

INSPIRE-C: Como foi a ideia de reviver o modernismo?

Luiz: Isso é uma coisa que acendeu em mim. É algo que conversa comigo, é o que eu faço e gosto de fazer. Claro que tem um gancho comercial por trás, não sejamos tão poéticos. Mas que bom que seja assim… Gosto do que faço e não imaginava que um dia seria desse tamanho. Aliás, só entendi o tamanho do Paribar quando fechei. Recebi uma enxurrada de mensagens de amor, foi uma comoção geral e tudo isso me deixou mais tranquilo quando decidi fechar.

INSPIRE-C: Então você acha que o ciclo do Paribar, que tem como proposta trazer os intelectuais para o Centro, se encerrou?

Luiz: O ciclo do Paribar não se encerra. O que terminou é o ciclo do Luiz Campiglia no Paribar. Caso alguém dê continuidade à marca, com certeza os intelectuais continuarão frequentando o novo Paribar.

INSPIRE-C: Você disse em outra entrevista que um dos motivos para fechar o Paribar é a violência que ocorre principalmente no centro de São Paulo. Isso também afeta os outros restaurantes da região?

Luiz: O Paribar sempre colocou mesas na calçada, é uma marca registrada do bar. Mas hoje em dia dá para colocar mesas na calçada? Não dá! Claro, existem outros bares e restaurantes que fazem isso, mas é outra configuração urbana. As pessoas me perguntam: “Ah, Luiz, por que você não continua com o Paribar?” Eu não tenho mais fôlego para correr atrás. Fui um dos pioneiros no Centro. Abri minha primeira porta há 17 anos, como Santa Fé, e acompanhei todas as crises econômicas, impeachment, pandemia, aumento da violência… não dá mais.

INSPIRE-C: Já existe alguém interessado em assumir o Paribar?

Luiz: Isso é igual à parente — quando está vivo, todo o mundo fala mal, e quando morre, todo o mundo ama (risos). É bem isso mesmo… Têm pessoas com interesse em manter a marca, assim como em começar outra marca. Acho que qualquer um dos dois caminhos será um sucesso, porque no fundo o comércio no Centro sempre foi muito forte. Seja lá qual for o caminho escolhido, dará tudo certo. E, no final das contas, o importante é que seja preservado o valor cultural deste lugar para a cidade de São Paulo. O caminho não importa, e sim a preservação cultural.

INSPIRE-C: Quais são seus próximos projetos?

Luiz: Tenho um projeto que é relacionado à comida. Por enquanto não quero mais trabalhar com bar.

INSPIRE-C: Pode nos dar um spoiler?

Luiz: Ainda não! Deixa eu fundamentar mais o meu projeto que depois conto tudo para vocês. Só posso disser que será bem legal e que tem uma grande possibilidade de transformar o entorno. Assim como fiz quando vim para cá, em 2005, ou seja, consegui impactar positivamente o entorno do bar. Tenho muita gratidão por tudo aquilo que o Centro me deu. Quero continuar, só que de outra maneira. Moro no Centro e quero que o meu próximo negócio aconteça aqui, também. A construção urbana dessa região não existe em nenhum outro lugar da cidade: as calçadas são largas, as construções, tudo isso aqui é único. Gosto muito dessa região!


Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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