Por Ronaldo Campos
Em 1974, durante uma greve dos mineiros de carvão do Reino Unido, o jovem Julian Richer viu uma excelente oportunidade para vender velas. Naquela época, quase 40% da energia elétrica provinha das usinas movidas a carvão. Comerciante nato, não levou muito tempo para descobrir o mercado, em franca expansão, dos equipamentos hi-fi. De início, ele se empregou numa loja que vendia equipamentos e acessórios eletrônicos e com apenas 19 anos abriu a Richer Sounds.
O negócio ia tão bem que, aos 23 anos de idade, ele comprou seu primeiro Rolls-Royce. Encantado com o abundante fluxo de dinheiro, Julian cometeu um erro rudimentar ao confundir crescimento de receita com lucro, o que lhe causou sérios problemas financeiros e quase o levou à falência. Recuperado do susto, passou a investir na abertura de lojas físicas e de uma loja virtual. Hoje ele possui a maior rede varejista de equipamentos e acessórios eletrônicos do Reino Unido. São 52 lojas físicas e uma virtual.
Se essa história lhe parece familiar a tantas outras sobre empresários de sucesso, no caso de Julian Richer é completamente diferente. Em maio de 2019, ele anunciou a venda majoritária de suas ações para um fundo de investimento de propriedade de seus funcionários e a reemissão de 40% das ações em forma de bônus — distribuídas conforme a quantidade de anos trabalhados. Esses gestos refletem um pensamento que ele desenvolveu ao longo dos últimos 40 anos e que colocaria em prática ao completar 60 anos de idade.
Ele tomou essa decisão ao ler o livro In search of excellence, de Tom Peters e Robert Waterman. As empresas de alta performance, descritas nesse livro, têm duas características em comum: tratam bem os funcionários e os clientes. Richer, que depois escreveu um livro intitulado The ethical capitalist, completa essa ideia dizendo que as empresas devem ter uma cultura baseada na justiça, na honestidade e no respeito às pessoas. Esses princípios criam entusiasmo nos colaboradores e diminuem a rotatividade. Segundo ele, empresas que possuem alta rotatividade têm sérios problemas administrativos. A Richer Sounds tem 11% de rotatividade, enquanto as outras empresas têm, em média, 25%.
Mas como manter os funcionários entusiasmados? Toda semana é realizada uma pesquisa nas 52 lojas sobre o engajamento dos colaboradores, a confiança que têm em seus supervisores, se há casos de assédio moral etc. A pesquisa é anônima e possui uma escala de 1 a 10. Julian visita as lojas com pontuações mais baixas e conversa com todos os funcionários para entender a raiz do problema. O processo é 100% sigiloso. Ele acredita que esta é a única maneira de as pessoas se sentirem seguras e confiantes para relatarem o que de fato está acontecendo. Outro ponto importante é valorizar o quadro interno de funcionários. Antes de contratar alguém do mercado, a empresa esgota todas as possibilidades internas. Se não há nenhum colaborador “pronto” para assumir um determinado cargo, só então é que se inicia o processo de contratação externa.
Outra tática é fazer com que todos os funcionários conheçam as características técnicas dos equipamentos que são vendidos. Segundo ele, isso cria envolvimento e responsabilidade de todos para com a empresa. Como as lojas só abrem ao meio-dia, a parte da manhã é reservada para esses treinamentos; ele é contra a cultura de longas horas trabalhadas e se por ventura qualquer funcionário receber uma ligação em um dia de folga, a empresa pagará pelas horas trabalhadas ao telefone. Além dessas considerações e ações, a Richer Sounds mantém um clube de férias exclusivo aos funcionários. Mais de 70% dos colaboradores utilizam esse benefício.
Richer acredita que o respeito e a consideração para com os funcionários se refletem nos clientes. “Quando uma empresa adota uma postura agressiva de metas e bônus apenas vinculada às vendas, os colaboradores tendem a passar essa ‘agressividade’ aos clientes e almejam somente o resultado financeiro”, segundo Richer. Ele prefere que os clientes voltem várias vezes às lojas em vez de realizarem uma única grande compra e sumirem para sempre. O bônus não é atrelado às vendas, e sim à satisfação dos clientes. Com frequência, pesquisas são realizadas para medir o grau de satisfação dos clientes para com os vendedores e para com o atendimento geral das lojas. A somatória combinada desses resultados corresponde ao bônus anual de cada colaborador.
Julian Richer sempre foi uma pessoa pragmática. Tanto nas reuniões do conselho administrativo quanto naquelas com a equipe de vendas, elas não levam mais do que uma hora. Ele diz que detesta fazer as pessoas perderem tempo com assuntos que não agregam em nada. O seu pragmatismo também foi responsável pela decisão de transferir boa parte das ações da empresa para os funcionários. A parte que ainda lhe cabe nos negócios é mais do que suficiente para que ele tenha uma aposentadoria confortável. Enquanto não se aposenta, ele recebe o mesmo salário que o de sua secretária.
Julian é um empreendedor visionário e muito diferente dos demais. Ele desmitifica o estereótipo de que é preciso ter uma postura rígida e agressiva para atingir os resultados desejados. O trabalho deve ser divertido, alegre e permitir a realização dos sonhos. Considerar o bem-estar das pessoas acima do lucro é um de seus principais mantras. A Richer Sounds, que faturou R$ 1 bilhão no ano passado, prova que o sucesso é tratar bem as pessoas.