Por Camila Barreto

Sancionado em 2017 durante o governo de Michel Temer, o polêmico Novo Ensino Médio (NEM) está previsto em lei e vem sendo implantado na rede pública estadual de São Paulo desde 2022. A reforma, que chamou a atenção pelas suas aulas de brigadeiro caseiro, RPG e “O que rola por aí”, flexibiliza a grade curricular e diminui a carga horária das disciplinas chamadas generalistas, como física, química e biologia, por exemplo, bem como possibilita o acesso às disciplinas técnicas, incluindo também itinerários formativos que focam determinadas áreas do conhecimento. 

O Novo Ensino Médio é apresentado como medida para resolver o problema dos jovens “Nem-Nem”, aqueles que nem estudam e nem trabalham, posto que a partir de agora o jovem terá a oportunidade de concluir o ensino médio com uma carreira e uma possível colocação no mercado de trabalho. Além disso, o aclamado protagonismo dos estudantes também é argumento mister nessa discussão, tendo em vista que 40% da carga horária de estudo é escolhida pelo estudante. 

A ideia de um “ensino voltado para o mercado de trabalho” pode inflamar a ilusão de que a solução para o desemprego no Brasil é fácil, quando na verdade estamos falando de um problema estrutural. É fato, no entanto, que um curso técnico facilita, sim, a entrada no mercado de trabalho, inclusive com remuneração maior que a de outros trabalhadores. Todavia, o ensino técnico do Novo Ensino Médio pode ser insuficiente para a inserção do jovem no mercado de trabalho e também no ensino superior, pois não se trata de um Etim (Ensino Técnico Integrado ao Médio), e sim da diminuição de horas-aula da Base Nacional Comum Curricular para que seja possível atrelar a ela horas de ensino técnico.

A Reforma é um cavalo de Troia. Oferecer cursos técnicos no lugar de horas-aula de disciplinas como física e química implica aumentar ainda mais a desigualdade quando o assunto é vestibular. Primeiro porque o ensino assumidamente não tem o intuito de facilitar o acesso à universidade; segundo porque as escolas de ensino privado não deixarão de oferecer as disciplinas de conhecimentos gerais, e em vestibulares como a Fuvest, cuja primeira fase é de conhecimentos gerais, os alunos de escola pública que tiveram apenas uma aula de física por semana terão que responder às mesmas questões que os alunos de escola particular, que tiveram três aulas de física por semana.

Isso tudo sem contar a diluição de matérias que endossam o pensamento crítico e os estudos sociais, como filosofia, história, geografia e sociologia, que ficam totalmente aquém de um ensino técnico “voltado para o mercado de trabalho”. Viabilizar o pensamento crítico e fomentar discussões sociais também é essencialmente importante para o processo de socialização desses jovens, para que eles possam se formar também como cidadãos participantes, vigilantes dos seus direitos e deveres enquanto tais.

E não é surpresa para ninguém que os educadores também são afetados pelo NEM, uma vez que o desmanche das disciplinas abre brecha para que os docentes não precisem ter necessariamente um diploma universitário para lecionar determinada disciplina, atividade ou projeto, ou ainda que o professor precise ensinar matérias para além daquela na qual se formou, sem mencionar, ainda, o sucateamento constante da carreira de professor Brasil afora, desde a formação até a falta de reajuste salarial, falta de abertura de concursos públicos, contratos suspensos e a ameaça iminente de retirada de direitos básicos.

Não dá para esperar que uma educação pública que produz e aumenta desigualdades seja a solução para os nossos problemas. Os impactos do Novo Ensino Médio já são sentidos pelas escolas, pelos estudantes e profissionais da educação, mas os efeitos a longo prazo podem ser ainda mais devastadores. Enquanto a educação for tida como mercadoria, nenhum de nós sairá ganhando.


Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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