Em comemoração aos 400 anos da primeira publicação das obras completas de William Shakespeare.

Por Ronaldo Campos

William Shakespeare (1564-1616) escreveu 154 sonetos e 37 peças. Na época, o teatro era muito popular e Shakespeare soube como ninguém capturar, por meio de suas personagens, as características do amor. Como em Romeu e Julieta: “And what love can do, that dares love attempt” (E o que o amor pode fazer, ele precisa ousar fazê-lo). Ou em Vênus e Adônis “O, learn to love! The lesson is but plain,/ And, once made perfect, never lost again” (Vai, aprende; a lição é fácil./ E uma vez aprendida, ela nunca se esquece). E em Henrique V: “[…] take me, take a soldier; take a soldier, take a king. And what says thou then to my love?” (Ame um soldado, como eu, e você estará amando um rei. Diga com franqueza, o que você acha desse meu amor?).

Os problemas da vida amorosa ganham muita força e expressão nas peças do maior dramaturgo inglês. Para o espectador é impossível escapar das interpolações que as personagens causam — como é o caso de Romeu e Julieta. Romeu e Julieta apaixonam-se à primeira vista em seguida descobrem que pertencem a famílias rivais. Frei Lourenço casa os dois secretamente e recomenda a Romeu: “These violent delights have violent ends […]. Therefore love moderately” (Prazeres violentos têm finais violentos […]. Por isso, ame moderadamente).

O pai de Julieta quer que ela se case com o conde Paris, mas Julieta bebe uma poção dada por Frei Lourenço (o mesmo que casou Julieta e Romeu) e adormece como se estivesse morta. Todos se convencem de que ela morreu de fato. Paris e Romeu duelam. Romeu vence e mata Paris e depois se mata porque a vida sem Julieta não faz sentido. Julieta desperta e, sabendo que Romeu se suicidou, segue o mesmo caminho do seu amado, pois a vida sem ele também não faz sentido.

O amor ao próximo também aparece nas peças de Shakespeare. Em Timão de Atenas, a personagem principal é um homem muito rico e solidário e quando vai à falência todos o abandonam. E Flavius comenta: “Strange, unusual blood/ When man’s worst sin is he does too much good!” (Estranhos seres humanos. O maior dos males que o sujeito fez foi ter praticado o bem demais).

O rei Lear tinha três filhas: Goneril, Regan e Cordélia. Um certo dia, ele resolve doar e transferir todos os seus bens para as filhas que dissimulavam um amor por ele. Cordélia era a única filha sincera e os dois cortam relações. Assim que as filhas más se apossaram da fortuna, passaram a maltratar o pai. Cordélia não teve outra alternativa e foge para a França. Lá conhece o rei e se casa com ele. Tempos depois a França invade a Grã-Bretanha e Cordélia reencontra o pai, porém ele estava louco. Com a guerra civil os franceses são derrotados e Cordélia é condenada a morte. Lear não suporta a morte da filha e morre de tristeza.

Shakespeare é eterno porque soube capturar como ninguém a importância de incluir nos diálogos a legitimidade dos sentimentos do coração. Não é exagero atribuir a ele a invenção do homem moderno. Além de ter criado o inglês moderno, Shakespeare também criou o ser humano moderno. A partir dele os diálogos transcendem o visível e passam a incluir o subjetivo. Em qualquer diálogo, a minha subjetividade se relaciona, se confronta, com a subjetividade do outro. Assim, ele permite que qualquer pessoa possa criar o espaço necessário para sua existência. Como muito bem salientou a filósofa Agnes Heller: “Em Shakespeare, todo amor verdadeiro é correspondido”.

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