Texto | VERA C. RUBIO
Instituto Carnegie de Washington
Washington|DC|EUA

Quando era uma adolescente em Washington, DC, eu tinha minha cama abaixo de uma janela virada para o norte. Eu achava mais interessante observar o céu do que dormir. Eu esperava as estrelas se moverem em arcos ao redor da estrela do norte; eu via um meteoro ocasional. O mistério e a magnificência do céu noturno cativou-me, e eu não poderia me imaginar vivendo sobre a terra sem tentar entender o que eu estava vendo. Eu sabia que havia continentes e oceanos e que um mapa da terra se parece com eles. Eu agora queria aprender sobre galáxias e estrelas e planetas, e que um mapa do nosso canto do universo se parecesse com eles.

A livraria local forneceu livros. Meu pai me ajudou a construir um telescópio, e amigos nos levaram a áreas rurais da Virginia para obter melhores visões do céu. Até hoje, eu acho a visão de estrelas brilhantes contra o céu escuro de um observatório no topo de uma montanha remota a mais extraordinária visão da terra. No observatório do sul, onde o céu é escuro e a região central da Via Láctea brilha intensamente sobre a cabeça (e até lança sombras), eu posso olhar a ampla extensão da Via Láctea e entender que eu estou posicionada sobre um minúsculo planeta no espaço, vendo o plano principal de minha galáxia. E é maravilhoso saber isso.

Eu sou uma cientista porque eu me apaixonei por um estilo de vida que me permitiria ser uma eterna aprendiz, aprender o que é conhecido a respeito do cosmos. A beleza, o escopo ilimitado, e a estrutura cumulativa da ciência fez da astronomia minha escolha profissional.

Eu entrei na instituição de ensino superior Vassar, um colégio de mulheres, com uma bolsa de estudos para estudar astronomia. Maria Mitchell ensinou astronomia lá de sua abertura em 1865 até 1888. Mas em 1945, nos Estados Unidos a Astronomia era ensinada principalmente em instituições de ensino superior privadas que não admitiam mulheres. Continuando a subir os degraus para minha carreira científica, meu marido e eu nos mudamos de Cornell para Washington, DC, onde eu completei meu doutorado na universidade de Georgetown, e escrevi minha tese com George Gamow, o renomado físico/cosmólogo que era professor na Universidade George Washington. Por esta razão, a minha entrada no mundo da pesquisa em astronomia não foi convencional, porque eu não cursei uma faculdade que “tradicionalmente” formava astrônomos. Consequentemente, meus primeiros estudos foram não ortodoxos.

Na época em que era uma jovem professora assistente na Universidade de Georgetown, eu estudei as regiões de galáxias distantes, na maioria das vezes desconhecidas. Diferentemente dos centros das galáxias, que estavam sujeitos à ativa observação e estudo, as partes externas de galáxias eram desprezadas. Eu escolhi um programa de pesquisa no qual eu poderia trabalhar no meu próprio ritmo, sem competição com outros astrônomos. Como esposa e mãe de quatro jovens ativos, eu sabia que conciliar família e carreira poderia funcionar, mas requeria considerações especiais e atenção especial.

Combinar uma carreira científica com uma família ativa foi possível e divertido por causa do apoio do meu marido matemático/biólogo, Bob, e por causa das oportunidades oferecidas a mim pela Instituto Carnegie de Washington. Allan, nosso filho mais novo, recentemente lembrou que quando era criança, ocasionalmente perguntava onde a mãe estava. E a resposta, “Ela está observando”, acalmava-o, porque todos pareciam contentes embora Allan não soubesse o que “observando” significava.

A junção de família, ensino e pesquisa era complicada, de modo que em 1965 eu mudei para o Departamento de Magnetismo Terrestre (DTM), um departamento do Instituto Carnegie de Washington. No DTM, Dr. Kent Ford tinha construído precisamente um espectrógrafo de tubo de imagens em estado de arte que tornou possível determinar velocidades orbitais de estrelas localizadas nos limites externos pálidos de suas galáxias.

Durante os 15 anos seguintes, Kent e eu estudamos velocidades orbitais de estrelas e gás em mais de 100 galáxias. Em cada galáxia, as velocidades orbitais em regiões externas eram muito mais rápidas do que velocidades esperadas da distribuição de luz na galáxia.

Nós fomos forçados a concluir que a maior parte da matéria numa galáxia é escura. É a aceleração gravitacional dessa “matéria escura” que faz com que as estrelas se movam a velocidades inesperadamente altas, e as impede de escapar espaço afora.

Assim, a distribuição de matéria numa galáxia é MUITO diferente da distribuição de luz.

Estudar algo que você não pode ver é difícil, mas não impossível. Não  surpreendentemente, a matéria escura é detectada pelo seu efeito sobre a matéria brilhante que nós podemos ver. Podemos deduzir poucas características da massa escura: ela é menos concentrada ao centro da galáxia do que é a matéria brilhante; ela se estende muito além dos limites óticos de uma galáxia; sua forma é menos achatada do que a de um disco; não é radiante em qualquer comprimento de onda. Numa galáxia espiral, ao menos 90% da matéria são escuras. Assim, os átomos e moléculas que compõem nossos corpos e compõem o universo luminoso não são os principais constituintes do universo. Conglomerados de matéria escura que se formaram no universo muito novo podem ter sido regiões onde a matéria decaindo viria posteriormente a formar galáxias.

Nos anos 30 Fritz Zwicky concluiu que a matéria escura existiu em aglomerados de galáxias, mas esse resultado não foi então aceito amplamente. Com a nova evidência de velocidades de alta rotação em galáxias, os argumentos para a existência de matéria escura se tornaram persuasivos.

Há uma advertência a essa evidência. No início do século 20, físicos descobriram que para domínios tão pequenos quanto átomos e núcleos, as leis da física convencional não eram válidas. Só agora foram testadas as leis de Newton em escalas tão grandes quanto galáxias. Aqui também, elas falham, mas nós atribuímos a falha à existência de massa escura. Até identifiquemos o que é a matéria escura, nós não podemos rejeitar a possibilidade de que a teoria gravitacional de Newton deva ser modificada para distâncias tão grandes quanto galáxias. Melhor seria uma nova cosmologia que resolvesse várias das principais questões de uma vez: o que é matéria escura, o que é energia escura, se nós entendemos corretamente a evolução do universo. Possivelmente tudo o que sabemos acerca do universo nós aprendemos nos 400 anos desde que Galileo usou seu novo telescópio para ver que a Via Láctea consiste de inumeráveis estrelas agrupadas em aglomerados. Na hora certa, você pode descobrir que há dimensões escondidas, tempo escondido, talvez que nosso universo não é o único universo. Para aqueles que se interessam por ciência, eu dou o seguinte conselho: não desista. Nós precisamos de vocês. Não há um de vocês que não possa vir a dar contribuições maiores a nosso conhecimento. Você também pode ser um cientista, e ao longo do caminho fazer outros também se interessarem pela ciência.

Eu espero que você se divirta fazendo ciência tanto quanto eu me diverti aprendendo a respeito do universo.


Tradução | ROMULO FERREIRA ABREU
Diagramação | RONALDO CAMPOS

Este artigo é de domínio público. Foi transcrito da coleção Algumas razões para ser um cientista com o objetivo de divulgar, desmistificar e estimular o estudo da ciência, principalmente entre os jovens.

Foto capa de Hikarinoshita Hikari/Unsplash
Foto mídia de Thomas Claeys/Unsplash

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