Por Ronaldo Campos
A maior dificuldade para definir Direito está na falsa comparação que se faz com as imagens distorcidas, principalmente, em relação à lei ou à justiça. A lei sempre emana do Estado, já que rege a sociedade politicamente organizada. A legislação abrange, em maior ou menor grau, Direito e Antidireito, ou seja, Direito em sua essência ou em sua negação, que são, por exemplo, as distorções classistas e os interesses arraigados pela manutenção do poder.
Em muitos casos, essa confusão é causada pelo repertório ideológico do Estado que tenta convencer a sociedade, em sua posição privilegiada, que acabaram as contradições, que o poder atende a todos e está a serviço do povo e tudo que dele deriva é imaculadamente jurídico, não havendo, portanto, Direito a procurar além ou acima das leis. É o mesmo que acreditar que o convívio com uma pessoa rica, que o convida para almoçar em restaurantes caros ou o leva para passear, por alguns dias, pelas ilhas Fiji, está sendo justo por “compartilhar” a concentração de renda.
Até nos países socialistas, as leis podem não refletir os resultados das lutas sociais almejadas pelo povo, pois lembremos que o Estado sempre fica sob o comando daqueles que detêm o poder político e consequentemente o econômico — é impossível separar política da economia e vice-versa. Essa situação não é diferente em países autoritários que classificam os cidadãos em “confiáveis” e “não confiáveis” para resguardar o status quo mediante a radicalização de seus discursos. Nessas situações, o Direito está aprisionado no conjunto das normas estatais. Então, como libertá-lo desses grilhões? Segundo Gramsci é preciso alargar a visão dialética do Direito de forma a incluir as pressões sociais e coletivas (sindicatos, igrejas, partidos políticos etc.) em direção a construção de uma sociedade progressista.
Portanto, a lei poderá ou não refletir as conquistas sociais. Sendo assim, o Direito não pode ser definido por meio dos campos legislativos, já que apenas são parte do processo jurídico e poderão corresponder ou não a sua essência. Resumindo: tudo dependerá do tipo de Estado: se é autoritário ou se é democrático; mesmo o Direito supra estatal, por exemplo, os Direitos Humanos não escapam aos interesses de alguns grupos, como muito bem salientou o ex-presidente do STF, Ministro Francisco Xavier de Albuquerque, em 1982, quando apontou alguns desvios legais internos que contrastavam com a Declaração Universal do Direitos do Homem.
Pode-se dizer, então, que o Direito não é nenhuma essência ideal e acabada dos fenômenos naturais e sociais. O Direito vai sendo a revelação da contínua transformação da natureza e da sociedade. O Direito não é um modelo fixo, acabado, em que os pensamentos dos melhores filósofos garantem a essência do ser. Afinal, é a partir dos fenômenos que se deve deduzir o ser para que acompanhe a constante imutabilidade dos fatos e essa garantia cabe ao Direito.