Por Gustavo Dainezi

Tenho algumas memórias de bem pequenininho. Uma delas é a primeira vez que eu vi um videogame na minha casa. O ano preciso jamais saberei dizer, pois eu era um infante com algo entre 3 e 5 anos de idade. Mas lembro do meu pai chegando de surpresa com uma caixa branca quadriculada com vários dizeres em japonês e uma foto de um objeto que eu jamais tinha visto, mas que identifiquei imediatamente como sendo um videogame. Um Mega Drive, meu pai disse!

Eu não era uma criança muito burra, com 2 anos de idade já digitava meu nome no notebook do meu pai que tinha aquelas telas verdes parecidas com o texto de Matrix. Era o centro da roda em uma brincadeira em que falavam as palavras mais complicadas que conheciam e eu as repetia com dicção melhor que os desafiantes. Goycochea! Olarticotchea! Paralelepípedo! Indubitável! Escalafobético! Talvez, se tivesse nascido 30 anos depois, estaria em peças publicitárias de bancos durante o horário nobre. Mas tive meu Mega Drive e estava superfeliz com ele.

O fato é que eu sempre tive uma relação muito intelectualizada com os videogames e isso pode parecer um grande paradoxo: afinal de contas, esse tipo de atividade, de distração, de entretenimento, foi durante muito tempo encarado como uma atividade de vagabundos, sedentários, descompromissados e pessoas que estavam desperdiçando a sua própria vida em vez de vivê-la.

Para muitos, a imersão em um mundo digital significa a fuga de uma realidade desagradável. Contra esse argumento há muito pouco a se dizer, a não ser que, se formos levá-lo a sério, teremos que contestar na mesma medida todo tipo de entretenimento produzido pela indústria cultural. Afinal de contas, podemos atribuir realidade à música? Podemos atribuir realidade a um filme? A fantasia é parte da experiência humana, quer gostemos disso, quer não. É o elemento central da nossa experiência estética, ou seja, a experiência de sentir a vida, pois é isso que significa efetivamente uma experiência estética.

O que é um jogo eletrônico?

Além de se constituir primordialmente da fantasia, o videogame, ou o jogo eletrônico, também se constitui pelo jogar, que é outra atividade inerente à vida. Muito mais natural do que trabalhar, diga-se de passagem. Não é à toa que Johan Huizinga, um dos mais renomados linguistas e autores das ciências humanas, dedicou parte da sua produção a estudar o Homo ludens, em complemento ao já conhecido Homo sapiens e ao menos conhecido Homo faber. O Homo sapiens marca a capacidade da nossa espécie de pensar e conhecer, de uma maneira que não seja puramente baseada na seleção natural. O Homo faber ressalta nossa capacidade de criar, de construir.

Mas seríamos uma espécie muito triste se a única coisa que fizéssemos fosse construir coisas e conhecimentos. Porque a construção de conhecimento é uma atividade primordialmente séria. Outra faceta da nossa existência é a nossa capacidade de criar, mas não necessariamente coisas ou conhecimento: criar experiências. Ou seja, somos também seres que brincam, desde o primeiro até o nosso último dia. É inspirado nesse humano que criei o meu canal no YouTube chamado Sapiens Ludens. E é daí que vem o nome desta coluna: Escreve y Joga. Duas faces da nossa humanidade, duas existências não só possíveis, mas mutuamente potencializadoras.

E é dessa concepção de ser humano que vem a ideia de construir esta coluna na revista Inspire-C. Para que a gente aprenda a brincar, aceite o brincar, incorpore na nossa experiência de vida essa que é uma marca fundamental da nossa existência e da nossa cultura. E para que a gente, no final das contas, consiga ser um pouco mais feliz do que é hoje, porque essa é a verdadeira finalidade da vida.

Mas, afinal, o que é um jogo, e o que é um jogo eletrônico, e por que ele é tão central na vida deste professor estudante vírgula youtuber, escritor, mestre de cerimônia, palestrante, gamer vagabundo? A resposta para essa pergunta a gente começa a destrinchar no nosso próximo texto. Enquanto isso, vem jogar e vem aprender com a gente lá no nosso canal do YouTube: www.youtube.com/revistainspirec.


Gustavo Dainezi
Doutorando em Comunicação e Consumo pela ESPM, professor e palestrante pelo Espaço Ética

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