“Todo mundo quer saber com quem você se deita, nada pode prosperar”. Xô, fofoca!

Por Renata de Luca

Recentemente, vivi uma situação desconfortável no trabalho; parecia brincadeira de telefone sem fio: uma gerente contou-me que sua assistente sabia da remuneração de vários executivos da companhia, propagava os salários entre colegas, fazia comparações e dizia que ela, sua chefe, por exemplo, era menos remunerada do que um colega de outra área. Seguindo minha sugestão, esta gerente estancou a conversa e fez uma denúncia na ouvidoria, que apurou os fatos por meio de uma sindicância. Conclusão: três demissões imediatas, sendo uma por justa causa. A origem das informações estava em uma profissional que acessava regularmente os dados salariais (sua função permitia), mas que fez mau uso dessa atribuição, espalhando-os entre seus pares, gerando intrigas e comprometendo temporariamente o bom clima organizacional da empresa.

Infelizmente, situações como essa são mais comuns do que gostaríamos: quebra de sigilo e de regras contratuais, descomposturas, fofocas. Empresas investem muito tempo e dinheiro em programas de compliance, divulgação de Códigos de Ética, capacitações, canais de denúncias, tecnologias para proteção de informações e, mesmo assim, são surpreendidas por situações desagradáveis, como a relatada acima. Por quê?

Na grande maioria das vezes, não podemos alegar desconhecimento por parte dos infratores; a falta de postura tem outra origem. Como tudo que não é natural, o comportamento ético precisa ser moldado, reforçado, relembrado, cultivado e aprimorado. Assim como seu avesso deverá ser criticado, coibido e punido. Ética não nasce conosco, não se ganha nem se compra, não está relacionado ao cargo ou ao nível social (haja vista tantos exemplos de poderosos faltando com o decoro Brasil afora). Dê liberdade e poder a uma pessoa e vejamos como ela irá se comportar.

A origem do comportamento ético está na educação: educar alguém é ensinar desde cedo o efeito das escolhas, resgatando o pequeno Narciso de uma tendência ao prazer do egocentrismo e do imediatismo. Lembro-me de uma mãe que achava que o filho não ia bem nas escolas por onde passava por ser “superdotado” e, portanto, o que era ensinado não o atraía. Era um garoto muito inteligente, mas que, na verdade, desconhecia frustração. Ao se dar conta disso, ela se lembrou de uma situação quando ele tinha 3 anos: ao ver um copo quebrar em casa, ele chorou e ela colou todos os cacos para acalmá-lo… e continuou “colando cacos” da vida dele; quando outros não o fazem, ele não suporta e tem comportamentos inadequados. Como crescerá esta criança e por cima do que e de quem passará para não se sentir frustrada? Como diria uma ex- professora minha, espanhola: “Hay amores que matan”.

Existem situações mais graves de filhos de famílias desonestas, que levam vantagens descaradamente, que exploram ou vivem em um ambiente desagregador. Sair desse cenário e diferenciar-se será sempre fruto de muito esforço e de rupturas. As primeiras identificações marcam com uma força brutal, mas felizmente não ficam escritas em pedra. Com ajuda, esforço, oportunidades e formação, as pessoas podem ser diferentes. Lamentável é quando, além do berço, falham também as instituições.

Algumas pessoas têm oportunidades de evoluir, de sair de um padrão de conduta para outro, revendo uma sucessão de exemplos inadequados, de falta de berço e de educação. Por isso, quando uma família falha na missão de transmitir padrões éticos, a vida social é tão importante. É a chance de aprender na escola, no trabalho, na comunidade e com os amigos um jeito de agir com respeito ao próximo, dentro da legalidade, lidando com o esforço cotidiano de não ceder às sugestivas tentações.

Mas o que ocorre quando, apesar dessas segundas oportunidades, alguns não correspondem e mesmo tendo acesso a outras formas de agir, mantêm um comportamento inadequado ou retornam a um padrão inaceitável? Quem trabalha em RH certamente já contratou pelo currículo e dispensou por postura. O ser humano tende à repetição, sugado para a hélice do tornado que moldou sua personalidade. Sair disso exige esforço diário. Todos os dias temos de nos esforçar para não sermos “sujos, feios e malvados”, parafraseando o sábio filme de Ettore Scola (Brutti, sporchi e cattivi, 1976). O ser humano sem educação dá nisso.

Por isso empresas devem investir nas suas pessoas. Lá estarão gente de todas as origens, de personalidades diversas e educações distintas. Como canta Caetano: “Gente é o lugar de se perguntar o um”(“Gente”, álbum Bicho, 1977). E alguns parâmetros deverão ser respeitados para que todos esses uns convivam em mínima harmonia. Quem não aproveita a oportunidade deverá sair, como na brincadeira de telefone sem fio: transmita a mensagem correta, componha com a diversidade, divirta-se, administre pequenos erros e tire do jogo quem não seguir as regras.

*”A Luz de Tieta”, álbum Tieta do Agreste, Caetano Veloso, 1996.


Renata De Luca

E-mail: [email protected]

Diretora de RH da Security Segurança e Serviços, psicóloga (PUC/SP), psicanalista (IP/USP), mestre em Educação (FE/USP) e MBA em Gestão de Pessoas (FGV).

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