Por Ronaldo Campos

Democracia, República, Federação, Congresso Nacional, STF, Três Poderes e medida provisória. Você sabe o significado e/ou a função de cada um deles? Quem tem acompanhado os noticiários políticos recentes, depara cada vez mais com termos que geralmente causam mais confusão do que esclarecimento — com certeza sou uma dessas pessoas que ficam perdidas no meio de tantos termos e siglas.

A grande agitação política que vem acontecendo nos últimos meses, para não dizer preocupação, não é fruto exclusivo do momento atual, mas sim da nossa formação histórica — conforme diz Leandro Konder: “Os portugueses chegaram, em suas caravelas, trazendo instituições, hábitos, princípios, valores, ideias e imagens criados na Europa. Aqui, eles se defrontaram com uma situação muitíssimo diferente daquela que conheciam lá na terrinha de Dom Manuel, o Venturoso”.

É naquele momento histórico que surge o “jeitinho” brasileiro, ou seja, os emissários da coroa precisavam “adaptar” as ordens do rei para uma realidade completamente díspar de Portugal. Então, duas coisas aconteciam com eles: ou ficavam malucos tentando implantar à risca as ordens do rei ou descambavam para o cinismo e para a corrupção mediante a falta de solução. Agora, imagine como a população da época interpretava tudo isso? Não é à toa que até hoje o Estado é visto com desconfiança e como um emaranhado de instituições confusas que mais atrapalham do que ajudam.

Tentarei, de uma maneira simples e objetiva, tratar de alguns conceitos da política que possam auxiliar a compreensão e o papel dos principais órgãos públicos, para que não fiquemos reféns do que foi dito  pelo Barão de Itararé — pseudônimo de Aparício Torelli, que criou em 1926 o jornal A Manha (assim mesmo, sem til) — em relação ao pensamento do filósofo Augusto Comte, fundador do positivismo. Certa vez, Comte manifestou-se indignado em relação aos governantes de sua época, dizendo: “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”. O Barão de Itararé reformulou esse pensamento sintetizando a política brasileira de seu tempo na seguinte frase: “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos”.

Para que também fiquemos cada vez mais vivos, você já se perguntou por que o nome oficial do Brasil é República Federativa do Brasil? Aqueles que tinham mais de 16 anos em 1993 devem se lembrar do plebiscito realizado em 21 de abril daquele ano, que demandou a escolha entre república ou monarquia. Pois bem, optamos por continuar sendo uma república, ou seja, escolhemos ser governados em prol do bem comum; república é uma palavra latina que literalmente quer dizer “coisa pública”. É ela que garante que as leis estejam acima de todos, inclusive dos governantes. Portanto, todo ato de corrupção, seja o desvio de dinheiro e/ou de cargo público para atender interesse pessoal, transforma-se na maior injustiça que alguém pode cometer contra a república, já que desvirtua o bem comum.

Já a ideia de federação está ligada a um tipo de organização política que une, por meio de um governo central, as diferentes partes que compõem a nação. Mesmo tendo trilhado um caminho diferente das colônias inglesas da América do Norte, que eram independentes entre si e só depois se uniram em torno de um governo central, o Brasil sempre foi uma única colônia portuguesa. Sendo assim, em termos práticos, já éramos uma federação antes da Proclamação da República, em 1891. E quem nos une é a Constituição, que está acima de todas as leis, isto é, cada estado da federação pode ter suas leis, desde que não conflitem com a Constituição, que é a principal lei do País.

Obviamente você aprendeu na escola sobre os Três Poderes: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Mas você sabe por que adotamos esse sistema político? Foi pensando na liberdade individual e na eficiência política que alguns dos pensadores do século XVIII, entre eles Montesquieu, defenderam a ideia de separar quem cria as leis de quem julga e de quem as executa. Por falar em leis, é no processo legislativo que um projeto de lei pode ou não ser aprovado. Pensando no âmbito federal (a diferença para os estados e municípios é que o Poder Legislativo não é bicameral), ele funciona, na maioria das vezes, da seguinte maneira.

Tudo se inicia com a discussão de um projeto de lei na Câmara dos Deputados. Uma vez aprovado por eles, o projeto de lei vai para o Senado, que pode aprovar o projeto sem emendas ou com emendas (emendas são alterações feitas no projeto original). Assim que a Câmara dos Deputados e o Senado entrarem num acordo, o projeto de lei vai para o presidente da República, que poderá sancioná-lo (aprovar) ou vetá-lo (reprovar). Caso o presidente vete o projeto de lei, o Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e o Senado) tem a prerrogativa de rejeitar o veto do presidente e mesmo assim transformar o projeto de lei em lei.

Porém, os Três Poderes não são tão independentes. Não sei se você já prestou atenção nos noticiários que às vezes falam sobre os freios e contrapesos que há entre eles. Essa ideia surgiu nos Estados Unidos e tem por objetivo garantir o equilíbrio por meio de uma interferência “moderada”. Calma! Porque essas interferências são legais e estão previstas na Constituição, na chamada transferência constitucional de competências. Exemplos: o presidente da República pode propor projetos de lei (função que cabe ao Legislativo) e há também as famosas medidas provisórias, que de tanto ser utilizadas pelo presidente, são constantemente mencionadas nos noticiários.

A medida provisória é uma prerrogativa exclusiva do presidente da República que transforma de imediato um projeto de lei em lei, enquanto é apreciado pelo Congresso Nacional. É do senso comum que para se ter uma vida saudável, deve-se equilibrar um pouco de tudo: horas de sono, horas de trabalho, uma refeição balanceada etc., ou seja, nem muito lá, nem muito cá. Acontece que as medidas provisórias têm sido utilizadas com tanta frequência que têm prejudicado o processo legislativo. Caso tenha curiosidade de consultá-las no site do Congresso Nacional (https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias), verá que neste exato instante (30 de junho de 2020, às 10h50) há 54 medidas provisórias na Câmara dos Deputados, duas na coordenação de Comissões Mistas e três no Senado Federal. Muito, não acha?

Mais um pouco de exemplos de freios e contrapesos (transferência constitucional de competências): o Poder Legislativo pode derrubar um veto do presidente (Poder Executivo) e transformar em lei um projeto de lei com o qual ele não concordava; o Poder Legislativo também pode fazer as vezes do Poder Judiciário por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que acontece quando os deputados e senadores resolvem investigar uma infração. E, por fim, o Poder Judiciário pode interferir no Poder Executivo julgando o presidente da República por crimes comuns e controlando a constitucionalidade das medidas provisórias.

Para concluir, vale a pena reforçar e lembrar que toda essa estrutura tem um elevado custo financeiro, que é bancado por todos os cidadãos brasileiros. Porém, mais do que isso, o que realmente justifica a existência dos ministérios, do Congresso Nacional, do Superior Tribunal Federal (que é o guardião da Constituição) e de todos os demais órgãos públicos é a garantia do que há de mais importante numa nação justa, ou seja, a democracia. Democracia é uma palavra de origem grega, cujo significado é: demos, povo e kratos, poder. Em sua essência, democracia quer dizer que todo o poder emana do povo. Não quer dizer que o povo governa, mas sim que autoriza os mandatários dos votos a governarem em seu nome. Antes que você desanime e pense que é só no papel que tudo isso funciona, lembre-se, nas próximas eleições, que o poder de escolha é nosso!

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