Texto | CAMILA BARRETO

O tédio sempre me aborda num domingo à tarde, numa festa de réveillon ou no Show do SESC Pompeia. Ele parece pacífico, de bons modos, mas age impulsivamente. O tédio nada paralisa. Com ele, tudo se movimenta. Por ele existem as camas redondas, o Kama Sutra, o psicanalista e o guaraná com formicida. Vem uma vontade desenfreada de viver aventuras inéditas, passeios gelados no Ártico, escalar Everestes, noitadas opiáceas em Pequim, festas de drag-queens!… Não, não. Nunca leve o tédio a sério. Nunca! Mas vale o lembrete de Nelson Rodrigues: “só o imbecil não tem tédio”.

Sérgio Lara

É um eterno rolar de feed, o tal do doomscrolling: outfit check, goleada no Paulistão, tiragem de tarô, memes, edit de um ator de Squid Game, notícias sensacionalistas que geram medo, uma notícia que parece fake news — lembro que o Instagram não faz mais checagem de fatos —, um grupo de amigos pintando telas no parque — penso que queria muito ir ao parque com os meus amigos para pintar quadros —, rolo o feed de novo.

Um ciclo sem fim. Um algoritmo sob medida para mim. Não pensar. Consumir mais. Rolar o feed de novo e de novo. Não engajar em nenhum pensamento ou vídeo por mais de 20 segundos. Amortecer a mente a ponto de deteriorar o cérebro.

A expressão oficial da Oxford University Press para 2024 foi brain rot, que, em tradução livre, quer dizer “cérebro apodrecido”, e está relacionada ao consumo excessivo de conteúdos superficiais e de baixa qualidade nas redes sociais. A expressão é antiga, foi utilizada no ano de 1854 pelo autor Henry David Thoreau, no livro Walden, que, à época, criticava a preferência da sociedade por ideias que não exigiam muito engajamento mental. Dessa vez, foi eleito por 37 mil pessoas, por meio de uma votação pública, como o termo que melhor encapsula a tendência digital de 2024.

O consumo massivo e incessante de conteúdos on-line, como memes, vídeos curtos e até mesmo notícias gera diversos prejuízos para a saúde mental e emocional, como ansiedade, baixa autoestima e depressão, e é especialmente preocupante entre crianças e jovens. Além disso, especialistas apontam que a exposição a muitas informações em um curto espaço de tempo prejudica a nossa capacidade de memória, concentração e engajamento em tarefas mais longas e complexas, que exigem senso crítico e uma estrutura de pensamento mais elaborada.

Mas o que fazer diante dessa deterioração mental? Desinstalar todos os aplicativos do celular? Banir as redes sociais do país? Ou então renegar todas as tecnologias que temos e viver analogicamente?

A resposta, obviamente, não é por aí, até porque existem muitos conteúdos on-line de qualidade, e a tecnologia seguirá fazendo parte do nosso cotidiano. Talvez, o melhor antídoto para esse excesso digital seja se render ao tédio de vez em quando, tirando o cérebro dessa sobrecarga de informações para deixá-lo refém de algum tempo de inatividade.

Embora a proposta soe um tanto simplista, a mudança de comportamento pode realmente trazer benefícios importantes para o bem-estar mental e emocional, porque o tédio é exatamente o oposto do brain rot. Em vez de expor o cérebro a uma enxurrada de estímulos e informações, dar a ele um tempo livre, resistindo à frustração de não consumir. Isso porque o nosso cérebro já trabalha 24 horas por dia e sete dias por semana, de modo que quando damos a ele um bom tempo de nada, ele pode se recuperar para não “superaquecer” a ponto de se deteriorar.

São diversos e numerosos os estudos da neurociência que apontam os benefícios do tédio para a mente. Além de permitir um “detox mental”, o tédio também melhora a criatividade e a atenção. Nesses momentos em que o cérebro não está sendo bombardeado por inúmeras informações, novas conexões podem ser criadas, gerando novas ideias.

Mesmo que pareça quase impossível cogitar estar entediado em pleno século XXI, com toda a demanda e estímulos que temos ao nosso redor, essa ainda é uma solução possível se não sucumbirmos ao vício de recorrer ao celular diante da mínima brecha de tempo livre. E é claro que os picos de dopamina que nos inundam quando rolamos o TikTok deixam tudo mais viciante, mas não quer dizer que não possamos controlar a dose.

Diminuir o tempo de tela e buscar atividades alternativas off-line, consumir outros tipos de conteúdos ou simplesmente não rolar o feed mecanicamente ao despertar ou enquanto espera para ser atendido são hábitos que permitem um respiro ao nosso cérebro. Em tempos de brain rot, é preciso se sentar com o desconforto da monotonia de quando em quando, pois o remédio mais simples e eficaz para tratar o apodrecimento mental é uma alta dose de tédio.


Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019 e se tornou colunista da revista INSPIRE-C. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Diagramação | RONALDO CAMPOS

Foto capa de JOYUMA/Unsplash
Foto mídia de Neil Soni/Unsplash

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