Tradução, adaptação e diagramação de Ronaldo Campos
Imagine conhecer um estranho em uma festa. O que favorece um encontro bem-sucedido? A primeira lição é lembrar do famoso ditado: a primeira impressão é a que fica. A segunda lição é lembrar que você não precisa usar boina ou estola de pele para se destacar. A terceira lição é não esquecer que o que você não diz é tão importante quanto o que você diz.
Acontece que esses mesmos princípios se aplicam à redação de um currículo. Um currículo não é uma lista de todos os empregos que você já teve. Não é a sua autobiografia. É uma ferramenta de marketing direcionada aos recrutadores. É o mesmo que conhecer um estranho em uma festa, ele(a) não demorará muito para decidir se quer continuar conversando. De acordo com um estudo, os profissionais de recrutamento gastam em média 7,4 segundos lendo um currículo.
O princípio de ouro é não desanimar o leitor. Se você está pensando em adicionar uma marca d’água com suas iniciais, pense novamente para que o visual do seu currículo não fique carregado demais. Use um formato limpo e simples e evite fontes sofisticadas (Arial ou Helvetica são adequadas; Century Gothic, não).
Adicionar cor não significa usar um fundo verde-azulado. Nem significa usar letras coloridas. Clichês podem ser um motivo para você ser preterido em uma entrevista. O mesmo acontece com os erros de digitação; verifique a ortografia e revise continuamente. Você ficaria surpreso com a quantidade de candidatos que esquecem de incluir o nome e o contato. Dispense descrições banais: “profissional culto e apaixonado”, “olho atento aos detalhes” — os fatos devem falar por si. Mas nem todos os fatos! Você pode pensar que incluir sua classificação no jogo Overwatch é uma maneira peculiar de ilustrar o quão rápido você é. Um recrutador pode concluir que você passa horas no sofá jogando video game.
Não elabore seu currículo com pressa e o revise constantemente. Condense, filtre e destile até que o que sobrou capture sua essência. O currículo de qualquer pessoa cabe em uma página, mesmo que você faça residência em oito hospitais ou seja mais ocupado que a Christine Lagarde (presidente do Banco Central Europeu). Esqueça a declaração pessoal — ninguém tem tempo para isso. Se você passou três semanas ajudando seu tio a organizar a loja dele de ferragens, quando tinha 17 anos, jogue essa informação fora, se você já tem mais de 25 anos.
Adapte seu currículo para cada candidatura, faça os ajustes relevantes e destaque as diferentes áreas. Caso contrário, você será como o chato que conta a mesma história para todas as pessoas que conhece. Nem todos — e nem todos os recrutadores — estão interessados nas mesmas coisas. Se você puder quantificar uma conquista, faça-o. Escreva apenas as informações relevantes.
Lacunas entre trabalhos são razoáveis em um currículo e não são motivos de preocupação. Isso acontece! Às vezes as pessoas tiram uma folga ou são demitidas; você não precisa explicar que passou, por exemplo, três meses, entre um trabalho e outro, em Machu Picchu para clarear a cabeça e recarregar as baterias. Entretanto, uma lacuna de dez anos ou trocas constantes de emprego são sinais de alerta para os recrutadores. É o mesmo que admitir para uma pessoa que acabou de conhecer em uma festa, que nunca teve um relacionamento de longo prazo. Mas se isso realmente for o seu caso, então você precisa rever suas escolhas.
Jamais cobre do recrutador uma resposta. Você fará o mesmo que as pessoas chatas que enviam mensagem de texto para saber se as anteriores foram recebidas.
No discurso de formatura no Kenyon College, em 2005, David Foster Wallace, um romancista americano, usou a metáfora dos peixes alheios ao elemento que os rodeava. Com objetivo de apontar para os perigos do “ambiente natural, programado e predefinido que é ser profundo e literalmente egocêntrico”. Em sua vida, sugeriu ele, você deve ilustrar uma consciência aguda do mundo exterior. O mesmo deve acontecer com o seu currículo. Elaborar uma apresentação de suas habilidades e realizações refletirá inevitavelmente a soberania e a auto-absorção de seu “reino do tamanho de um crânio”, como Wallace o descreveu. Por isso, ao lançar-se no mercado do trabalho, siga o conselho dado aos jovens formandos para tentarem estar sempre conscientes do seu lugar no esquema maior das coisas: “Isto é água… isto é água”.
The Economist | Business | Bartleby
Este artigo foi publicado originalmente na coluna Business da edição impressa, com o título A job applicant walks into a bar.