Por Gustavo de Oliveira
Uma das oportunidades de jogar videogames é o poder de viver histórias de outras pessoas. O gênero RPG (Role-playing game) permite que possamos assumir identidades, construir narrativas e fazer escolhas. Ou seja, dentro de um sistema predeterminado, vivemos uma vida que seria impossível “no mundo real” e somos expostos a situações que estariam apenas em nossos sonhos, influenciando nossa existência (a do nosso personagem, no caso) e de quem nos cerca.
Podemos encontrar grandes histórias que nos envolvem e nos deixam imersos durante semanas, até mesmo meses. Principalmente pelo fato de os RPGs se provarem uma experiência social muito forte: seja jogado em colaboração, seja sozinho, você sempre estará diante da existência alheia, lidando com suas ações, sentimentos e percepções. Em um mundo onde somos fundamentais e extremamente poderosos em diversos aspectos.
Muitas vezes relacionados à fantasia, alguns RPGs tentam fugir desse modelo e apostam em algo mais pautado na realidade material, como é o caso de Disco Elysium. O jogo foi desenvolvido pelo estúdio europeu ZA/UM, na época capitaneado por Robert Kurvitz — um estoniano designer de videogames, romancista e músico. Todas as suas habilidades são florescidas no jogo, criando assim uma experiência inesquecível, que vai dos personagens à trilha sonora.
Falando do game propriamente dito, imagine que a maior das ressacas que alguém já viveu apagasse tudo de sua mente. Sem saber quem é, o que faz e o porquê de estar em um hotel à beira-mar, você aqui a chance de reescrever a sua vida. Mas é claro, o mundo não se esqueceu de quem você é. Logo descobrimos que somos um policial que chegou à fictícia Martinaise, uma representação bem verossímil do Leste Europeu, para solucionar um caso de assassinato.
A partir desse ponto desenvolvemos uma relação com diferentes personalidades da cidade. O local, que recentemente lidou com a queda do seu sistema de governo, encontra-se no meio de uma grande greve. Com isso, percebemos quanto as questões sociais influenciam a mente e o comportamento de seus habitantes. O jogo sempre te coloca de encontro com essas pessoas, muitas vezes afetadas por um mundo desigual, enquanto tentamos concluir nossos objetivos e reconstruir quem somos.
Disco Elysium preza muito pela realidade das ações e relações. Tarefas corriqueiras e conversas simples escondem muito de uma dura realidade, que nos devasta e coloca um peso em cada uma das nossas decisões. Somos colocados para enfrentar nossas fragilidades e as de quem nos cerca. Mesmo assim, temos a chance de nos importarmos ou não com isso. Seremos uma esperança para essa comunidade? Ou apenas alguém que passa por lá para oprimi-la ainda mais? A resposta depende de você.
O universo em que somos inseridos nesse jogo é muito duro, por saber punir e demonstrar a falta de cuidado com as vulnerabilidades pessoais e sociais. Mas, ao mesmo tempo, ele sabe que para construir relações reais e valorosas, é necessário mostrar o lado mais fraco. Disco Elysium é uma experiência coletiva sem igual, que nos deixa mergulhar profundamente em nossos pensamentos e certezas.
Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.