Por Ronaldo Campos
É quase impossível não se comover com a imagem de Santa Teresa d’Ávila, ainda criança, quando decidiu sair em peregrinação, de mãos dadas com seu irmãozinho, pela região acidentada de Ávila, Espanha, rumo ao Marrocos, para morrerem como mártires. Vencidos pela imensa dificuldade geográfica e pelo cansaço físico, os dois voltaram para casa. O “fracasso” da pueril peregrinação não impediu que Teresa dedicasse sua vida ao ascetismo.
Após 25 anos de uma vida religiosa, Santa Teresa iniciou a reforma da ordem das Carmelitas. Ela entendia que o voto à pobreza e à enclausuração eram os únicos caminhos imprescindíveis, e verdadeiros, em direção a Deus. Detentora de uma profunda sensibilidade humana, e conhecida por tomar suas decisões com muita prudência, tinha uma extraordinária capacidade organizacional, aliada à disposição para o trabalho. Só assim pôde vencer todos os obstáculos para fundar 16 conventos e influenciar centenas de outros por vários séculos.
Muitos argumentam que a obra deixada por Santa Teresa só foi possível porque a sociedade daquela época era dominada pela fé religiosa ou, por ter adoecido por muitos anos, teria buscado na fé cristã a recuperação de sua saúde. Infelizmente, ainda persiste, após mais de 500 anos, a incompreensão de seu extraordinário trabalho, pois é impossível para os olhos desatentos e os corações insensíveis conceberem uma vida para além de si próprios. Santa Teresa d’Ávila foi canonizada em 1622 e declarada, em 1970, a primeira santa doutora da Igreja Católica, que é um título concedido apenas aos 36 santos que deixaram um relevante ensinamento da doutrina católica.
Com certeza, Santa Teresa não foi a última mulher a se preocupar genuinamente com o próximo. Nos últimos cinco séculos nasceram e continuam nascendo muitas Teresas, mas por vários motivos seus trabalhos não são reconhecidos de maneira tão épica quanto a reforma de uma ordem religiosa. Mas isso não diminui em nada todas aquelas que tentaram e tentam formatar seus pensamentos para as ações nobres e que, infelizmente, muitas vezes se tornam incompreensíveis aos olhares críticos e preconceituosos da condição feminina. Francis Beaumont e John Flatcher souberam retratar muito bem essa condição na peça The Maid’s Tragedy: “já que não posso fazer o bem porque sou mulher, tento, constantemente, alcançar tudo que está próximo dele”.
Diziam que para escolher as freiras de seus conventos, Santa Teresa priorizava, acima de tudo, aquelas que tinham bom senso e que sabiam usar a inteligência. Para ela, as pessoas inteligentes veem seus erros e permitem ser guiadas, enquanto as menos inteligentes não veem seus erros e se satisfazem consigo mesmas.