São Paulo é uma imensidão. Ao prezar pela nossa rotina, muito da cidade nos escapa e locais, espetáculos, livros, conversas, curiosidades e filmes podem trazer experiências novas e diferentes com o mundo. Aqui, neste recanto, compartilharei com vocês um pouco daquilo que encontro pela cidade.
Nesta edição, trago três falas de pessoas da comunidade LGBT+ acerca de seus afetos e modos de produção artística. A atriz Amanara Brandão Lube nos localiza na Região Norte do País, e relata como sua experiência com o teatro não apenas a auxiliou a compreender suas questões, mas lhe trouxe ferramentas de comunicação com o mundo. O segundo é um conto do jornalista Rafael Molica, que traz uma história de descobertas e afetos ao longo da vida. O terceiro texto, da bailarina Karen Marçal, traz com intensidade um recorte do que é ser mulher, lésbica e preta na região periférica da Grande São Paulo, e o último, da artista Adélia Wellington, traz a estética como costura para suas palavras, grafada com outros afetos, questionando o próprio gênero na escrita. Aproveito para lhe contar o significado de cada uma das letras dessa sigla que abarcam um universo muito diverso e plural. Vamos nessa?
Mainá Santana, Sub-editora de Cultura
DA CORPORIFICAÇÃO DOS AFETOS
Por Amanara Brandão Lube*
“Movo-me pelos caminhos da arte e do afeto”, tenho afirmado. Tornando o caminhar um movimento de corporificação de afetos; chega a soar até redundante ‘arte’ e ‘afeto’ na mesma frase.
Para quem sempre fugiu de definições, entender-me e assumir-me como parte da comunidade LGBTQI+, mulher, negra, artista e à margem (geograficamente na periferia da periferia do Brasil — Região Norte), tem sido um processo contínuo, um caminhar para dentro de si ao mesmo tempo em que fundamentalmente para fora — quanto ao consequente posicionamento engajado que cresce, intensifica-se, tornando-se indispensável para viver e sobreviver. E esse entendimento vem nessa ordem, respectivamente: o primeiro “baque” logo na adolescência, em perceber que minha afetividade não estava de acordo com o padrão e que um tal “inferno” seria meu inevitável fim (mesmo não sendo “catequizada”, não escapei de sentir o peso desses valores — e desvalores — que nos circundam e envolvem de forma devastadora, cotidianamente). Angústia, culpa, medo… O inferno já acontecia ali naquela jovem cabeça. Em meio a esse limbo psicológico imposto, descobri o acolhimento familiar (infelizmente, ainda um privilégio para a realidade LGBTQI+), por meio de minha mãe que, mesmo dentro de suas limitações heterossexuais para lidar com o assunto, deu o seu melhor em fazer eu me sentir menos aberração em relação ao mundo heteronormativo. Com um corpo andrógino, não tem muita diferença se em público estou acompanhada de um homem, uma mulher ou sozinha; já fui hostilizada em qualquer das situações, o que me trouxe ainda mais forte a sensação de solidão e a urgência em aprender a ser só e plena — na medida do possível — com esse corpo que ultrapassa gêneros.
Em meio a esse borbulhar de emoções e pensamentos, aos 15 anos comecei minha imersão no universo teatral, que veio como um amparo e artefato para viver — uma nova possibilidade de ser e estar no mundo; encontrei-me. Morando na periferia de Porto Velho, Rondônia, fazer o deslocamento para o centro da cidade em transporte coletivo e em horários noturnos para participar de aulas, ensaios e eventos do meio artístico trouxe mais uma angústia: a da vulnerabilidade de ser um corpo feminino e só pelas ruas, ousando usufruir do seu direito de ir e vir. O primeiro trabalho profissional, teatro documentário, ampliou os horizontes e a percepção de ser mulher no contexto cruel que o patriarcado nos coloca, com o recorte para a realidade amazônica, que é onde me situo. Com o passar dos anos, intensos no sentido de uma crescente interação social que os universos artístico e acadêmico trouxeram, o gênero e a cor ganham seu peso, com potencial de abrir e fechar portas, por vezes afirmando que esses locais não são para gente como eu. Identificar e transgredir essas imposições torna-se vital.
Viver e produzir arte na periferia do País vem com seus desafios, que me fortalecem no sentido de proporcionar assiduamente uma visão de mundo ampla, para além dos centros (talvez privilégio dos que estão à margem?), colocando como parte fundamental do meu caminhar profissional a questão: “A serviço de que quero colocar minha existência — meu trabalho, corpo, vivências?”. Essa pergunta permeia meus passos, e é na sua origem e na sua resposta que todo o contexto acima entra em jogo, “em cena”, porque, diferente da recomendação que dão por aí, “separar o pessoal do profissional”, não vejo isso como uma possibilidade legítima no fazer artístico, pois nossos corpos falam antes mesmo de abrirmos a boca, aproximando e distanciando oportunidades. As vivências são canais por onde a criatividade flui, e só de estar nesse ramo já se fazem necessárias muitas resistências — diárias e para a vida toda. Isso se reflete inevitavelmente no conteúdo das criações. Tudo o que está mim vai para a cena comigo.
* Amanara Brandão Lube é atriz e acadêmica do curso Licenciatura em Teatro, na Universidade Federal de Rondônia. Atua, performa, é palhaça e contadora de histórias.
A ATITUDE NOSSA DE CADA DIA
Por Rafael Molica*
Tales corria para chegar a tempo à missa da tarde de uma sexta-feira qualquer na igreja de Santo Expedito, em uma pequena cidade. Não cairia nada bem para um coroinha se atrasar. Mas ele se apressava feliz e com a certeza de que chegaria a um lugar onde seria acolhido, estaria em paz mesmo naquelas poucas horas que tomariam seu dia. Curiosamente, ali, o ainda adolescente não era alvo de comentários pelo seu jeito de ser, que já fora chamado de “coisa de menininha” pelo tio, rei das piadas de pavê nas ceias de Natal. Não se perdia em uma interminável sessão de açoites mentais enquanto imaginava se algum dia seria aceito pelos seus pais da maneira que era, de um jeito que nem ele mesmo sabia explicar direito como viver. Muito menos se sentia em um paredão, temeroso pelo som dos gatilhos alvejando-o com insultos típicos dos colegas da escola onde estuda e os quais os professores fingiam que não viam. “Como aqueles garotos perdem tanto tempo com isso sendo que têm tanto o que estudar?”, se questionava.
Apesar da rotina com momentos na zona de paz, Tales sentia que a fase adulta se aproximava e a hora de assumir para si mesmo quem realmente era já raiava no horizonte de sua vida. Mas se compreender gay o apavorava. O máximo que sabia sobre o assunto era o caso do amigo do tio distante que tinha um “companheiro”. Que raios seria um “companheiro”? O rapaz nem ao menos era petista. Fora isso, tudo o que via eram assustadoras histórias de gays nos filmes que morriam em decorrência da Aids, que só viam a prostituição como opção de sobrevivência ou que encaravam a sarjeta após revelar sua verdadeira essência a seus pais. Eram essas as únicas tristes possibilidades que restavam para um homossexual, digno de uma tragédia grega, mas sem a pompa que ela oferece?
Pouco tempo depois, o destino tratou de enviar alguns feixes de luz da cor da esperança. Durante um desabafo afogado em lágrimas em uma tarde folgada de fim de semana, Tales sentiu o abraço gostoso e que tanto demorou para ganhar, mais precisamente de sua amiga, que compreendia que ele queria ser apenas ele mesmo.
O primeiro beijo no rapaz bonitinho que conheceu por acaso em um ônibus veio em seguida. O prazer de finalmente reconhecer sua essência, que por tanto tempo precisara ser calada, se misturava com a culpa e o receio de ser levado na velocidade de uma montanha-russa para o inferno por sua atitude. No entanto, o rapaz bonitinho o tranquilizou ao dizer que seus sentimentos eram normais, que certamente ele estava longe de ser uma aberração a ser estudada pela Nasa e, ao contrário do que as experiências provavam, a felicidade, enfim, poderia ser palpável. Quem sabe um dia.
Enquanto um rapaz que gosta de meninas não tem com que se preocupar quanto a se assumir, o jovem gay não se via apenas dentro de um armário, como cansou de ouvir por aí. A sensação era pior: parecia estar lacrado dentro da última camada de uma boneca russa. Cada vez que se revelava para alguém, parte do brinquedo finalmente se abria.
Os dogmas e a igreja foram abandonados e a vida ganhava novo sentido. Primeiro, vieram os abraços da roda de amigos que sentiu que poderia confiar. Depois, chegou a vez de ser recebido com carinho pelas primas mais próximas. Encorajado por elas, chegou a fatídica hora H de contar para a própria mãe aquilo que ela já sabia desde que ele nascera, mas que até então fingia não ser verdade. “Por que temos de contar para os outros que somos gays? Ninguém sai por aí dizendo que é heterossexual sob o clima dramático de quando se noticia a existência de uma doença incurável. Quem disse que saber exatamente como e quem amar pode ser encarado como um mal de saúde?” Foi como um curativo demorado para sair, mas passou.
Faculdade concluída, cartas românticas foram trocadas, tardes frias de decepções amorosas superadas, noites vermelho-escarlate ao som da música brega da novela vividas, lençóis suados, o sonho de um dia ser pai, inúmeras pesquisas no Pinterest sobre “qual roupa usar em um suposto dia de casamento” feitas, chegou a hora de contar ao pai toda a verdade.
O que a sociedade pensa sobre Tales já não importa mais. Os insultos nas ruas podem ser ignorados, já que humilhações desde a infância o fortificaram. Ou melhor: eles podem ser combatidos porque, finalmente, respeitar o que o outro quer ser está na moda. Uma nova era. Tendência que chegou para ficar. Mesmo assim, contar para a figura paterna o que realmente é parece impossível. No time rival dessa última partida, crenças limitantes martelavam supostas certezas de que “contar para o pai é o mais difícil”, “agora que ele vai ser expulso de casa”, “ser deserdado da família é o mínimo que pode acontecer” e a clássica “pai nunca aceita”.
Depois de a anunciação final ser revista na mente inúmeras vezes, Tales petrificava-se a cada momento em que se colocava na frente do pai. Muitos poderiam dizer que esse momento não precisaria acontecer. Eram novos tempos e em todos os lados se ouviam gritos por respeito. Mas para ele, adulto e dono de si, era uma questão fundamental em respeito a seu pai, em respeito a si mesmo e em respeito ao direito que jamais deveria ser negado de ser quem realmente é. Era, talvez, a última boneca russa que precisava ser aberta. “Tom Cruise, quero ver você encarar essa missão impossível, mermão”, divertia-se, com risos de nervoso.
Certo dia, uma amiga do trabalho deu uma ideia que poderia resolver a fuga das palavras certas que sumiam bem na hora errada. Simples e direto, Tales tratou de entregar uma carta na qual descrevia o amor que sentia pelo pai e que precisava anunciar o óbvio: todas as formas de amor são permitidas. O pai abraçou o filho, dando a tranquilidade de se sentir amado.
“O que seria de mim se não fossem as outras pessoas me apoiando?”, se perguntava, colorido e manifestando seu direito de ser na Parada do Orgulho Gay, em São Paulo, necessariamente mais política do que muitas antecessoras. Tales notou que a afetividade em cada atitude é mais poderosa do que se suspeita. E ainda pergunta: “Como você mudará o mundo do outro hoje?”
* Rafael é Jornalista e crítico de cinema por formação, interessado em projetos e práticas que fomentam, apoiam e defendem o respeito e a liberdade do outro por devoção e amante de tudo o que envolve cultura nas suas mais variadas expressões de coração. Vive seus primeiros passos como praticante de ThetaHealing e se prepara para um mestrado em Comunicação, Arte e Cultura. Eterno aprendiz, adora passeios reenergizantes em parques e conversas profundas. Sente a sensação de que café e chocolates podem ajudar deixa a vida mais gostosa e inspiradora.
PRETA
Por Karen Marçal*
A preta raspou a cabeça e a chamaram de preto. Ela virou um preto agora, e é como se qualquer pretinho que você chama de machinho fosse pelo fato de ter o cabelo assim, bem raspadinho…
O significado de ser uma mulher negra não está por um fio e não é o fio preso na cabeça. Isso é um jogo de mau gosto, é a corda da forca que prende ao pescoço. Acorda! Foi divertido amarrar os pés, as mãos, os fios crespos, sair riscando o corpo inteiro, pintando a pele de vermelho e deixando alguns relevos?
A preta beija na boca da preta, beija outra preta e se consola. O motivo do seu choro foi embora e ela já não chora há meia hora, abandonada como de costume, isso porque dessa vez não tentaram lhe jogar fora. Para a sociedade muitas vezes já era, não tem mais volta, não importa. É como a puta que é taxada por sua conduta, a mesma adotada pela maioria dos homens. Normal? Normal.
Mas, afinal, é final feliz pra quem? Um final assim: nenhum príncipe e nenhuma princesa, são suas rainhas reinando nesse mundo sem leis.
Uma preta beijar outra boca preta ninguém respeita, minha nossa! Nem minha, nem nossa, a preta é ela, preta é dela e ela gosta, pede respeito, mas não implora. A preta chega batendo no peito, mas no seu próprio peito. O peito é dela, o corpo é dela, então respeita. A preta já chega batendo no seu próprio peito, dizendo: “Não encosta, não toca”. A violência vem de fora, a gente até convive com ela, mas não ignora!
Não dá e não rola, nem rola, não é NÃO! Ou será que é surdo, burro ou trouxa?
É violento ser chamada de PRETA, tem todo um mundo que rejeita, o trauma fere a alma por besteira, depois aparece a cicatriz por fora, outro relevo, muitas as revoltas.
Isso tudo por conta da cor e do corte de cabelo, como se crespo fosse uma arma letal. Mas, afinal, estar armado oferece risco ou segurança?
Isso tudo por conta da sua preferência de se amar primeiro!
Nesse país o cabelo armado é só mais um crime que só falta passar no Jornal Nacional, mas em contraponto, assim, na moral, não passa nem no comercial. Cadê a preta de cabelo armado nas emissoras sendo a principal?
Nesse país a situação está preta, um preto sujo, impregnado, daqueles brancos mal lavados, sabe? Encardido e mascarado, um preto assim disfarçado. O País está manchado e essas manchas nunca sairão, é uma marca da rotina do genocídio e da chacina que embaça e pesa a mão.
É um crime nascer preto, imagina nascer preta e raspar a cabeça?
É um crime nascer preta e não querer construir uma família tradicional brasileira!
Eu hoje fui atingida por uma realidade insana, daquelas que vêm e bate tanto em você que você nunca mais vai se esquecer do nome, e principalmente do sobrenome da fulana. A branquitude me assusta, o preconceito me inflama, a intolerância me mata, mas a PRETA ainda assim me ama.
Tendo as suas esferas comprometidas, me comprometo a não mais me aguentar, não mais me carregar ou me arrastar, não mais me dobrar para fingir caber em uma camada que não seja a minha, e em uma cama que não seja a sua. Estou com orgulho de mim, da minha cor, da minha preferência, orientação, do meu amor sem distinção. Estou com orgulho dos meus tons que me acompanham e trocam comigo, estou como água sólida que, em vez de descongelar, corta. Tenho orgulho das minhas lâminas finas, que protegem meus irmãos, meus amores, família e filhos.
A realidade me mostrou isso, que nem todo mundo tem a mesma pele, e não é só da cor que estou falando, e sim da textura, da armadura, do tato, do pigmento, da melanina e principalmente da energia, do gosto que fica na boca. Às vezes é um gosto doce, às vezes o último gosto é amargo, vermelho e enlouquecedor.
Enlouqueço de dor nos olhos ao ver um amor marginal morto em cada esquina. Ao perceber amores como o meu sendo interrompidos só pelo fato de ser assim, duas mulheres, ou duas meninas.
Enlouqueço de dor nos olhos vermelhos e adrenalina. O orgulho não é só pelos fatos, mas também pelas faltas, pela causa. O orgulho é sobretudo por resistir na luta, e não pela guerra travada.
O orgulho é pela existência, sobretudo pela sobrevivência, o orgulho de sorrir por não sair por cima, pois pisar nas pessoas nunca esteve nos nossos planos. O orgulho é de seguir independentemente do pano, da pele, da carcaça que reveste a alma, independentemente das ruínas.
Orgulho da alma leve e amável.
Orgulho pelo respeito à PRETA, que ficou linda quando raspou a cabeça.
Orgulho pela respeito à PRETA, que trançou os cabelos e os dedos nos meus.
* Karen tem 23 anos, é intérprete-pesquisadora sobre o que move o corpo, os espaços e o tempo. Tem como prática a escrita e a expressão poética através do corpo, das palavras e outras ferramentas de acesso. Por via de registro, depoimento e poesias materializa afetos e atravessamentos corriqueiros do seu próprio cotidiano.
arquytetura das syngelezas **
por adélia wellington *
penso afeto como um crystal, dyamante, chama, uma pena, santuáryo, pequena e ymensa tessytura quy nunca dorme dentro do peyto, não tem lar, como feryda exposta, só que é cura em exposyção.
se não pensar afetyvydade hoje como cura, profundamente uma descyda para buscar o kraken dy sy, sentar-sy com ele, dar bom dya, comyda, “a gente precysa conversar, querydo”, posso my colocar como morta.
mortandade dy todo um mylhão dy possyveis devyr quy possam transmutar a jornada dy um vyvente.
tudo my atravessa y faço questão da escancarâncya dy meu peyto, casa morada dy colybrys y a delycadeza vay salvar a terra para ser, sym, atravessada, transpassada, dyspor meu corpo como uma grande árvore da Amazônia quy tombou y vyrou lar dy bycho; tudo entra y pede lycença pra terra porque a sabedorya, ynstynto é coysa dy muytos tempos.
a presença dy corpos quy fogem dos gêneros comuns bynáryos, feminino/masculino… sempre serão afetações extracorpo, sy assym possas dyzer, poys essas presenças estão já habytadas por yntelygêncyas afetyvas ynfyndas.
eu escolhy mudar.
pensar, por tanto cansaço, malas quy não carrego mays y toda transgressão quy a vyolêncya nada tyra do lugar, vyra água parada, poça dy canto dy beco seco y não transmuta o coração y murcha, mas o belo, o quy à ty és, a beleza, sym, bem meu, a beleza, a ternura, o carynho ynfyndo quy my deyxa no centro, coração dy um cardume, uma floresta, a delycatessen quy não precysa ser só coysa dy comer, mas um Corpo delykat, ynteyrança dy presença quy transforma apenas por exystyr, uma passagem, um repousar.
todos somos corpos-passagem, vulnycura reverie_yn_trânsyto, y se esta fosse uma prymárya para um pensar em estar sobre a terra, seryamos todos mays gentys e ternos/ter-nos/eternos.
quando synto no contato com o outro, cabe-my a elegâncya de estar dyante dy uma presença eterna; o outro no lugar do outro dele mesmo, yntegro em sy y desse ponto nós trocamos tudo quy somos, desfazemos as torres das certezas para reaprender, aprender novamente, reaprender mays uma vez, outra vez, todo dya o novo sobre a tamanha ryqueza que sy apresenta dyante dy meus olhos.
nem comecey a falar sobre amor, porque tudo é amar, a essêncya prymordyal quy em tudo é; separação é dystâncya e tudo é dentro, o todo é dentro, e sy o outro é o todo, eu sou o outro e do modo como faço carynho em mynha pele, cuydo da galáxya que vejo com meus olhos.
abysmos y galáxyas são yrmãos, y por ysso não há mays feryda em mym.
fyz questão da cura começar em mym.
fyz a retyrança dy órgão por órgão.
tyrey osso por osso y pus à lavar no ácydo da terra.
a mãe my atravessou y eu entrey nela para morrer enterrada aterrada.
ysso não é romance, poys fyz a mym o favor da realydade antes mesmo dy pensar em exystir aquy.
esta é mynha vyda agora, y que faleças meu corpo, quy o rebentem, que me paralyse um dya, mas morro assym, lyryca, vulcânyca até dentro da pele dos ossos, só para garantyr quy não seque eu, ressecada, torta, murcha, fraca, esguya, sem águas nas partes, escaldada dy tanto secar numa sacada de uma morada qualquer desta cydadela com tamanha falta de sy.
quy o sy traga o outro como brysa leve, longynqua água de mar, oceano todo y boca dy coração do fundo dy tudo, y aqueles veleyros sobre os mares, as marés a mar, é tudo quy my resta a mym, tudo que me resta por ti.
* artista que tece as delicâncias. Adélia; bailarine e figurinista, terapeuta Reiki, poetise e eterna aprendiz de feiticeira. formada em danças pelo projeto Núcleo Luz , costureire autodidata criadore da Babuina Inhlangano_plataforme criative (@babuinay), formada em Reiki 1 Usui Tibetano e Gendai Reiki Ho Okuden Nível 2 pelo Centro Terapêutico Reiki Alto da Lapa e Reekssa 1 pela Reekssa University.
@puralisme
BREVE RELATO_editorial
Por Mainá Santana
Ao fecharmos a pauta desta edição da Culture-C, cuidei para garantir um espaço na revista a pessoas que são LGBT+ discorrerem sobre suas práticas laborais e as relações de trabalho em que estão inseridas. Não gosto muito desse micropoder que estabeleço ao dizer “abrir espaço”, pois quando penso nisso é porque muitas pessoas antes de mim, LGBT+, sofreram para garantir sua visibilidade em micro e macroespaços. Meu posicionamento é apenas uma junção do momento histórico que estamos vivendo, construído dia a dia por essas pessoas, e certa sensibilidade minha em entender a importância desse movimento que se inicia com a própria humanidade. Pois que eu convidei algumas pessoas para escreverem aqui nesta seção e gostaria de trazer essa experiência à baila, para que pessoas heterossexuais e cis* como eu possam se identificar.
O convite foi feito a mulheres e homens cis e trans, gays, lésbicas e bissexuais. Dois casos de recusa me chamaram a atenção pelo que representam, aparentemente.
Pedi às pessoas que escrevessem um pouco sobre suas relações de trabalho a partir do olhar e da experiência de ser LGBT+, o que quisessem trazer. Uma das mulheres trans me colocou a questão de pagamentos por trabalhos nesses tempos de visibilidade: as pessoas tem usado a visibilidade como moeda de troca, sem pensar que, em outras circunstâncias, pagariam outras pessoas para realizar tarefas a ou b. Em nossa conversa, ela me disse que as mulheres trans sempre estão em uma condição inferior em suas locações de trabalho, são sempre subvalorizadas. E de uma maneira muito simplista, fiz o exercício de perceber quantas mulheres trans eu conheci ao longo dos meus 14 anos de trabalho artístico, da graduação em psicologia, dentro de uma universidade pública e federal (supostamente aberta e acessível à todas as pessoas), dos funcionários de repartição pública e privada com os quais me relacionei para realizar as tarefas burocráticas da vida. Cheguei a um número: cinco. Cinco pessoas trans ao longo de 14 anos na esfera laboral. E então me lembrei dos três anos morando na região do Baixo Augusta, em São Paulo, das baladas a que fui e das ruas por onde andava à noite. Conheci um número incontável. Incontável em apenas três anos. O que essa mulher me solicitava era simplesmente a observação de que seu trabalho escrito e sua criação por meio das palavras tem valor. E imaginem vocês que é um valor inestimável, pois uma conversa de 5 minutos sobre esse tema com ela, que é artista da dança como eu, teve a potência de provocar tamanha reflexão. Um posicionamento coerente, de uma mulher que sofreu coisas na vida que eu posso, no máximo, imaginar. Um posicionamento de uma mulher que sabe o seu valor e o valor daquilo que faz e fala, com a compreensão de que precisa mais do que um espaço de visibilidade para comer e pagar suas contas, logo, precisa pensar muito bem em como investe seu tempo. Não é sobre enaltecê-la ou criar uma mártir, uma heroína, mas sobre colocar as coisas em seu devido lugar, atribuindo os pesos necessários para tentar construir uma sociedade mais justa nos (nem tão pequenos) detalhes.
O segundo caso é também de uma mulher, lésbica e cis, que me colocou a questão da profundeza do tema, tão intrínseco e cheio de afetos. Ela me disse o óbvio: é necessário entender que cada um tem seus processos de compreensão e momentos para o exercício da escrita, independente do volume de textos que a pessoa produz. Existem temas variadamente delicados para qualquer pessoa, mas refletindo novamente, não me são direcionadas como demanda social explicações sobre minha sexualidade. Ninguém me faz perguntas sobre como é que eu transo ou deixo de transar, como eu amo ou deixo de amar*, se sou “aceita” ou não pela minha família ou no meu trabalho. Responder à pergunta que eu mesma formulei pode trazer reflexões muito profundas sobre como essa pessoa está no mundo e como o mundo está em relação a ela, situações e conflitos a que eu não tenho acesso e em relação aos quais não poderia dar suporte e escuta às reverberações.
Achei importante dedicar este microespaço para falar das interações com essas mulheres como forma de agradecimento, ainda que elas não tenham escrito, por razões diversas, suas experiências por elas mesmas. Definitivamente não como maneira de autopromoção e utilização da história alheia — como infelizmente vemos por aí —, mas por uma tentativa de multiplicação de algo que me abriu um espaço de reflexão.
*Ressalvas feitas a relacionamentos inter-raciais e suposições fetichistas sobre minha pele, temas para outro momento.
Você sabia?
- Na década de 1990 foi criado o termo GLS, acrônimo de Gays, Lésbicas e Simpatizantes, para definir um nicho de mercado, com produtos e locais específicos para atendimento a esse público. Segundo a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, a ABGLT, essa sigla não deve ser confundida com a LGBT+, tendo em vista que a última tem cunho político-social.
- A sigla LGBT+ foi modificada algumas vezes. Na década passada, trocou-se, por exemplo, GLBT por LGBT, pela compreensão de que mulheres sofriam um apagamento maior na sociedade que os homens. Nos documentos da ABGLT, o termo LBGT começa a aparecer em 2013. Portanto, Lésbicas, Gays, Bissexuais, pessoas T O símbolo de soma traz visibilidade a pessoas que expressam outros modos de viver sua sexualidade e afetividade (como intersexo, queer ou não binária, de gênero fluido, entre outros).
- Cis é o contrário de trans, ou seja, uma pessoa cujo sexo biológico condiz com o modo como ela se vê. Trans (transexual, travesti) é a pessoa que não se identifica com o gênero designado ao nascer.
- Uma mulher ou um homem trans pode ser hetero ou homoafetivo. Por exemplo, uma mulher trans que se relaciona com homens (trans ou cis) é hetero, pois isso diz de sua condição atual (trans) e de sua orientação sexual (como seu desejo e seu afeto se caracterizam).
- Nem todas as pessoas transgênero buscam mudança em seus órgãos genitais. Isso vai depender de como a pessoa vê seu corpo e entende os papéis de gênero colocados pela sociedade.
- Nome social é um direito de pessoas trans. Use, respeite e promova!
Informe
A Casa 1 é um local de acolhida de pessoas LGBT+ na cidade de São Paulo, mas não apenas. Também é um centro cultural e uma clínica social especializada. O local esteve em vias de fechar, mas graças a financiamentos coletivos, se mantém na ativa. Muitas pessoas procuram a casa ao serem expulsas por suas famílias e não terem sua orientação sexual ou afetividade respeitada. Vale a pena conferir o trabalho da equipe, que atua nestas três frentes: acolhida, cultural e clínica.
Com grupos de trabalho bem organizados, a equipe aceita voluntários em várias frentes, assim como colaborações financeiras mensais ou pontuais. Se interessou? Tem vontade de ser uma pessoa colaboradora? Aí vão os contatos!
SERVIÇO
Casa 1
Todos os dias |das 10h às 22h
Rua Adoniran Barbosa, 151 – Bela Vista (pertinho do Viaduto Jaceguai)
Site | casaum.org
Livro
Autora de livros como A princesa e a costureira e A rainha e os panos mágicos, Janaína Leslão é pioneira no País em apresentar o tema, com muita delicadeza, para o público infantojuvenil. O primeiro livro foi adaptado ao teatro por Solange Dias, em 2016, e esteve circulando no mês passado pelo País com o Grupo Teatro da Conspiração, de Santo André (SP). Janaína explica que o universo LGBT+ geralmente aparece na vida da criança de maneira ruim, como quando o menino chora na escola e é chamado de “gayzinho”. Então, sua proposta é trazer os debates sobre diversidade de modo cuidadoso e inteligente para todas as idades. Vale a leitura!
@janaina.leslao.autora