Por Gustavo de Oliveira

Algumas obras, quando disponibilizadas ao público, transformam toda a percepção geral a respeito de como a arte precisa se comportar. Seja na música, seja no cinema ou até mesmo nos videogames. Com jogos, esse fenômeno, ao mesmo tempo que pode ser mais rápido, também é mais complexo devido aos constantes avanços tecnológicos. Ainda mais quando os jogadores desejam sempre mais mecânicas, elementos, ícones e visuais melhorados. Por isso, é muito contraditório constatar que o início do século XXI foi relevante por justamente seguir o caminho contrário àquele em que o status quo dos videogames funcionava.

No ano de 2001, foi lançado um jogo chamado Ico, feito pelo projetista e design japonês Fumito Ueda. O sucesso do jogo não acompanhou sua importância, já que o título ficou estacionado em um limbo desconhecido para a grande maioria dos jogadores. Apesar disso, ele foi muito bem recebido pela crítica na época e figura em listas como “100 Melhores Jogos de Todos os Tempos”, do site IGN, o que o tornou um clássico cult e que acabou sendo muito apreciado nos anos posteriores. Um dos motivos dessa consagração e da falta de apreço público (o que pode ser muito contraditório), foi o fato de que Ico inaugurou um novo estilo de design, criado pelo próprio Fumito Ueda, chamado de Design por Subtração.

A principal característica do Design por Subtração é a remoção de todos os elementos considerados “excessivos” dentro de um jogo. Menus, interfaces ou qualquer outra coisa que poderia tirar a atenção do jogador da essência do jogo. Porém, essa iniciativa ia além da remoção de elementos visuais ou cosméticos, e também retirava alguns aspectos como sistemas, diálogos e até convenções básicas de jogos, como barras de vida e o sistema de combate.

Segundo Fumito Ueda, sua intenção ao produzir Ico foi criar algo que se distanciasse do imaginário popular sobre videogames, na tentativa de atrair pessoas que não faziam parte da bolha de jogadores. Para outros, o Design por Subtração serve para fazer com que a experiência de jogo seja totalmente focada em sua história e narrativa, talvez numa tentativa de aprofundar a relação de jogos com outras mídias, como o cinema e a literatura. Porém, existe uma outra perspectiva na qual podemos analisar essa filosofia de produção de jogos. Afinal de contas, videogames têm suas propostas construídas em torno do ato de jogar. Portanto, o Design por Subtração, ao cortar todos os “excessos” tradicionalmente colocados em um jogo, tenta fazer com que o jogador se concentre totalmente na essência do jogo, que foca todas as suas mecânicas em um propósito específico.

Em Ico, precisamos fugir de um castelo enquanto protegemos uma personagem chamada Yorda. E todos os aspectos mantidos no jogo são feitos para nos desafiar nesses dois objetivos. Os cenários são muito bem trabalhados e com quebra-cabeças que tornam aquele lugar algo vivo. Nosso protagonista “não morre” em combate e a única possibilidade de encontrarmos um game over é quando não conseguimos proteger Yorda. Esses são só alguns dos exemplos que podemos destacar dessa obra tão minimalista, mas que ao mesmo tempo é tão expansiva.

Nos anos seguintes, Fumito Ueda continuou produzindo clássicos como Shadow of the Colossus e The Last Guardian, que foram extremamente relevantes em suas respectivas plataformas. Além disso, influenciaram diversos outros produtores a criar experiências mais “limpas”, seja por meio de mecânicas ou de ferramentas de acessibilidade e modificação dos jogos. Em uma época que a grande indústria dos jogos tenta asfixiar os jogadores com experiências cada vez maiores, mas não melhores, o legado de Fumito Ueda cada vez mais precisa ser lembrado para percebermos que, em alguns casos, menos é mais.


Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.

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